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Festas académicas

1. Li com interesse um texto de Inês Cardoso publicado em 22 de abril na revista «Notícias Magazine». Intitula-se «Carta a uma filha que um dia há de estar numa queima». A queima a que se refere é a tradicional Queima das Fitas. 2. São naturalíssimas as manifestações de alegria pela proximidade de chegar ao termo de uma caminhada académica. Naturalíssimas. Mau sinal seria se não acontecessem, embora o fim do curso, para alguns, seja assombrado pela perspetiva de não conseguirem a desejada colocação. Desejada. Há quem, terminado o curso, continua a ter de estar na dependência económica dos pais ou se sujeita ao que aparece no mercado de trabalho, nem sempre condizente com aquilo para que estudou. Nem todos os cursos proporcionam as ambicionadas saídas profissionais. É pena que se vendam ilusões, mas em certos casos é isso o que acontece. 3. Motivo para manifestações de regozijo, o final do curso deve ser, também, oportunidade para agradecimento. Para os crentes, em primeiro lugar, agradecimento a Deus, de quem tudo e todos dependem. Associada ao fim do curso há a Bênção das Pastas, que se pretende seja uma consciente e participada manifestação de fé. Se a convertem num gesto teatral ou folclórico, só para a fotografia ou para o vídeo… Agradecimento também a todos os que contribuíram para que o termo do curso fosse uma realidade. À cabeça destes coloco os pais dos estudantes. Para muitos, proporcionar ao filho/a oportunidade de ter um curso superior, representa sacrifícios e privações que não sei se são, sempre, devidamente avaliados e reconhecidos. Não obstante os propalados apoios, há pais que se sacrificam muito para terem os filhos na Universidade. É um facto. Retenho a imagem que um dia vi de uma recém-formada em medicina agarrada à mãe, uma senhora de aparência modesta, banhadas em lágrimas as duas. Lágrimas de alegria, por certo, mas que por parte da filha interpretei como sinal de profundo reconhecimento. 4. Há diversas formas de exteriorizar a alegria. Se algumas são de aplaudir, outras são de lamentar. As manifestações de alegria devem ser feitas no respeito que cada um deve ter por si e pelos outros. A festa não dá direito a perturbar o merecido e necessário repouso dos vizinhos. A irreverência académica, mesmo sendo irreverência, deve impor-se limites. Não deve significar falta de educação, desrespeito por princípios e valores que são de manter, atentado ao bom senso. A excessos praticados se refere Inês Cardoso, na tal carta a uma filha, quando escreve: «Não haverá uma única razão válida para te venderes por copos à borla». «Há um argumento que nunca comprarei: não conseguem convencer-me de que beber até à inconsciência é um sinal de emancipação e igualdade». «Não é um acaso o facto de, nos vídeos conhecidos no ano passado, apenas as mulheres terem bebidas grátis por mostrarem as mamas ou por baixarem as calças e levarem uma palmada no rabo». «Todos saem a perder quando há comportamentos abusivos». 5. As festas incluem o cortejo da queima das fitas, onde, em alguns casos, tem acontecido de a liberdade andar muito próxima da libertinagem. Onde o álcool em excesso não deixa de produzir maus resultados. Os carros que costumam desfilar no cortejo poderiam, em minha opinião, mostrar as competências que os diversos cursos proporcionam. Normalmente, porém, opta-se pela crítica, que nem sempre é construtiva. Ridendo castigat mores: a brincar, a brincar, dizem-se coisas sérias e alerta-se para problemas a exigirem solução. Põe-se, cautelosamente, o dedo nas feridas: sem as avivar mas não tendo pejo em as dar a conhecer. É esse o caminho que se tem seguido? Às vezes – refiro-me ao passado, é evidente – tais carros revelam uma confrangedora pobreza, onde abunda em desbragado atrevimento e incontrolada gritaria o que falta em criatividade e imaginação. Onde há mais desvergonha do que arte. Haja alegria. Muita alegria. Alegria contagiante. Mas alegria sã. Não alegria que provoque sentimentos de comiseração.
Autor: Silva Araújo
DM

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3 maio 2018