Neste contexto, dei por mim a pensar sobre o retrato que hoje se tenta passar de Portugal, ocorrendo-me uma expressão bem conhecida de William Shakespeare, na peça de teatro Hamlet, dita pelo protagonista, filho do rei daquele país que inspira a obra – “algo vai mal no reino da Dinamarca”, referindo-se à corrupção, à traição e aos martírios que grassavam na corte. Interroguei-me, então, sobre as razões de tal pensamento e qual a verosimilhança de tão estranha associação.
Na realidade, deixando-nos embalar pelas boas notícias traduzidas pelos números com que nos querem seduzir – aumento de salários e de pensões, diminuição do desemprego, subida do Produto Interno Bruto (PIB) – à primeira vista, o país parece ter mergulhado numa espiral de crescimento levando o povo mais descuidado a inebriar-se num sentimento de colorido otimismo.
Esta sensação de aparente bem-estar pode ser útil para manter os índices de confiança na prossecução das políticas do presente e na preservação do clima de serena tranquilidade, mas se não tiver sustentabilidade no futuro, pode ser fonte de muita frustração e de penosos desenganos.
Presentemente, tudo parece correr bem. Contudo, se dermos a devida atenção aos números e se examinarmos as opiniões abalizadas de personalidades de diferentes quadrantes ideológicos, quando se debruçam sobre opções políticas tomadas ainda recentemente sobre aspetos relevantes da vida nacional, o futuro começa a aparecer ensombrado. Os exemplos não são raros. Basta recordar aqui os comentários de Nicolau Santos no semanário Expresso, do último sábado, sobre o desconforto na execução orçamental, perscrutar a opinião de Daniel Bessa sobre diversas matérias, ou ler a carta aberta do reitor da Universidade de Coimbra à população da instituição que lidera, onde aborda a recente alteração legislativa que praticamente obriga a transformar os bolseiros em trabalhadores permanentes, para se ficar interiormente desassossegado.
De facto, atendendo ao que muito se vai ouvindo e lendo, infelizmente, Portugal tarda em fazer as mudanças estruturais que permitam encarar o futuro com mais confiança. Onde está a sempre adiada reforma do Estado que possibilite coadunar as receitas com as despesas e libertar os cidadãos e as empresas da sufocante e castradora carga fiscal? Onde estão as políticas demográficas capazes de reverter a tendência dos últimos anos do número de mortes continuar a suplantar o de nascimentos? Que medidas foram tomadas para que os jovens desistam de emigrar ou façam com que os que já partiram regressem? O que se tem feito para combater o centralismo asfixiante e a burocracia imobilizadora? E que dizer da dívida pública portuguesa que permanece em níveis assustadores?
Mergulhando no rol de tantas interrogações, encontrei a resposta para a imprevista ocorrência que me tinha deixado surpreso e inquieto. A lembrança daquela expressão do famoso dramaturgo e poeta inglês fazia seguramente algum sentido…
Apesar de Portugal parecer mais cor-de-rosa, persistem problemas de fundo permanentemente adiados. A sociedade portuguesa vive num estado de alegre convalescença, sem cuidar de adotar as medidas necessárias para uma cura vigorosa e duradoira, que lhe impeça uma perigosa recaída.
Neste cenário, há que não cruzar os braços e continuar a pugnar para que o que falta fazer não se continue a perpetuar no tempo. Lutar contra o conformismo e acordar as mentes mais adormecidas é, por certo, um contributo que poderá ajudar a preparar melhor o nosso futuro coletivo.
Termino, desejando a todos os leitores do Diário do Minho umas boas férias. Que sirvam para retemperar as forças perdidas num ano de trabalho, fortalecer a dedicação à família, cultivar amizades e, naturalmente, ainda restará tempo para alguma reflexão!
Autor: J. M. Gonçalves de Oliveira