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Entre Salsburgo e Braga: duas experiências similares

Estive com minha mulher em Salsburgo (cidade que nasceu à volta de um mosteiro beneditino e que pertence à Rede Europeia de Cidades com Órgãos Históricos – ECHO) aqui há poucos anos e ficámos musicalmente maravilhados. Havia Mozart por todo o lado: nas ruas, nas pastelarias/cafés, nas igrejas …Entre outras actividades, fomos a um belíssimo concerto no Castelo, sobranceiro à cidade, ao pôr-do-sol. Uma orquestra de Câmara tocou, como não podia deixar de ser, Mozart. Só o esplendor da suas composições. Este concerto foi ao ar livre. Numa esplanada relvada do Castelo. Na nossa frente tínhamos a imponência dos Alpes de onde víamos as acrobacias de dezenas de parapentistas que evoluíam, ao longe, e que pareciam dançar ao som mavioso de Mozart .

A música, muito bem interpretada ao ar livre, música de Câmara, sem artifícios de amplificação sonora nem ruídos estranhos, perdeu um pouco por ser ao ar livre. Música de Câmara requer espaços adequados. Salas relativamente pequenas (não se chama de Câmara?) e que permita, para uma orquestra com poucos elementos, extrair e projectar sonoridades “aconchegantes”, intimistas, alegres ou não. Em Salsburgo perdemos pelo grande espaço aberto por onde parecia que algumas frases musicais se evaporavam.

Gostamos, a Luísa e eu, muito deste concerto, mas… ainda hoje lamentamos a inadequação do espaço para o tipo de música. Temos a certeza que num espaço fechado e adequado não teria restado espaço no nosso coração e mente para tão boa música! Teria sido… “o esplendor na relva”.

Agora, deixando a cidade mozartiana, entremos em Braga. A Bracara Augusta que se tem vindo a afirmar como cidade da Música erudita e que já deveria estar integrada na acima referida Rede ECHO (parece-me que não há interesse por incluir Braga, tal como Salsburgo, Lisboa ou Mafra, nesta Rede Europeia que só traria benefícios a esta nobre cidade, riquíssima de órgãos históricos, cidade que é muito mais do que o Cavaquinho! Lamento profundamente e já estou fatigado de alertar por escrito e oralmente responsáveis por tornar viável esta inclusão de Braga na Rede ECHO! Uma tristeza!). Ora, em Braga realizou-se recentemente, num sábado ao fim da tarde, num espaço lindíssimo e muito bem cuidado, com um relvado magnífico e um cenário bucólico um concerto pela Sinfonieta de Braga e com a magnífica solista Rita Morais, acompanhada pelo canto de pardais, melros, gritos de pegas e gaios e mais o roncar dos carros que corriam a chamada “Rampa da Falperra). Não “bailavam” parapentes, mas “acrobaciavam” de um lado para o outro as, para mim antipáticas e invasoras, rolas turcas. A Sinfonieta de Braga, que está a um alto nível interpretativo (teria ficado bem no citado concerto de Salsburgo!) e Rita Morais, uma muito jovem soprano que promete ter uma carreira brilhante, com timbre e coloratura notáveis, tiveram um espaço magnífico num ambiente desadequado para o género de música que interpretaram onde, na primeira parte, Mozart (diz-se que no Céu para Deus só toca Bach mas para os Anjos esse encargo é para Mozart!) esteve muito bem tocado. Se o espaço tivesse sido outro e tivessem retirado (ou melhorado?) a amplificação sonora, tenho a certeza que este concerto, muito bom, teria subido de qualidade muito mais.

Percebo a intenção: trazer público para espaços pouco formais e, deste modo, fazer pedagogia e mostrar que boa música não existe só em Lisboa ou no Porto, na Casa da Música. Também mostrar que um Museu, hoje, não é mais um repositório triste de peças antigas. Compreendo. Aceito. E Aplaudo. Mas, não seria aquele belíssimo espaço muito mais adequado para concertos de grandes orquestras sinfónicas (Beethoven ou Tchaikosvski brilhariam ali) ou para um Festival de Bandas de Música?

Na realidade, não podemos comparar Salsburgo com Braga na sua história ligada à música, basta lembrar que aquela cidade é o berço de Wolfgang Amadeus Mozart. Mas, apesar disso, Braga tem uma tradição musical notável que não tem sabido explorar, tal como o património organístico (e refiro-me à altíssima qualidade dos órgãos como à qualidade de música produzida aqui durante séculos) para não repetir pela enésima vez lamentável recusa em integrar a Rede ECHO!

Aproveito este artigo, e fugindo ao tema, para felicitar vivamente a volta do FESTIVAL INTERNACIONAL DE ÓRGÃO para 2022 e o Cónego Hermenegildo pela sua persistência, saber e saudável teimosia em formar com qualidade e para a qualidade músicos e de mensalmente nos oferecer um concerto de órgão na vetusta e primacial catedral de Braga,

Como seria bom espiritualmente e turisticamente atraente que todas as Missas dominicais e festivas fossem solenizadas com os órgãos (órgãos de tubos) que nunca deverão ficar mudos depois do restauro e de uma ou outra exibição pontual.


Autor: Carlos Aguiar Gomes
DM

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28 outubro 2021