Este tempo em que o coronavírus nos meteu em casa, tem provocado dois tipos de fobias: uma de ter medo de não voltar a sair, isto é, de ter a sensação de estar preso, e outra de criar medo de sair à rua. A primeira chama-se claustrofobia e a segunda denomina-se de agorafobia. Falo nisto porque conheço uma familiar, pessoa de idade, que desespera por estar presa e me confessa que quando a prisão domiciliária acabar, terá medo de sair à rua, nem mesmo sendo acompanhada. Esta senhora está como o doido no meio da ponte: se vai para lá afasta-se se vem para cá não sai do sítio. Os mais velhos não têm apenas poucas defesas contra as epidemias, têm também pouquíssimas defesas psicológicas. Vivem de rotinas e com elas criaram uma base de segurança mental que lhes permite viver uma vida do seu tempo. Ora tudo isto tem sido abalado com a pandemia e parece-me que se não pode esperar pelo tempo da cura para começar a sarar as mazelas do espírito dos mais velhos. Os psicólogos já deveriam ter sido chamados a pronunciarem-se sobre as terapias para estas fobias que, quando combinadas, como parece que estão a combinar-se, formam um explosivo que a a todo o momento rebenta em senilidade. Eu não sei se o desfecho é este ou sequer se é assim que se chama, mas o que vejo e sinto é que estas duas fobias se estão a desenvolver em pessoas de idade e daí elas serem as mais resistentes à confiscação da liberdade porque procuram, com as suas saídas, o antídoto para os medos que começam a desenvolver. Penso que não podemos fechá-los por muito mais tempo em casa ou nos quartos dos lares: olhar para o teto e contar as pequenas manchas, dura apenas uns cinco minutos, se tanto. Olhar pela janela e ver o azul do céu é bonito e romântico, sem dúvida, mas dura uns escassos segundos. Contar os azulejos da cozinha, é fastidioso. Isto não é processo de cura, é placebo. Talvez, se lhes déssemos máscaras julgadas suficientes para os salvaguardar dos perdigotos dos outros, eles pudessem fazer, se não uma vida normal, pelo menos dar os seus habituais passeios que tão bem lhes faziam ao espírito, sustentavam a mobilidade, fortaleciam os músculos da coluna e combatiam o colesterol. É assim ou não, senhores doutores? Se não é assim, então andaram-nos a mentir este tempo todo. Mas é assim porque confiamos em vós. Os velhos são como os sargaços da Apúlia: a maré sobe e não se vêem, a maré desce e estão lá. O melhor que se pode dizer a este respeito é que no reino animal só o homem é hipócrita. São animais de coração frio como guardas de campos de concentração. Estão a metê-los no quarto com a preocupação de os preservar do contágio, mas ao mesmo tempo não os preservam da sua integridade psíquica; estão a levá-los para uma senilidade irreversível e a galope. É tempo de equacionarmos este problema e reparamos que os guetos que criaram para os velhos, são um atentado à sua saúde mental. Não chega vencer o vírus, é preciso vencer o tédio. Não tenhamos dúvidas, os velhos não se entretêm com cantigas do seu tempo, nem com filmes que já viram muitas vezes, nem sequer têm paciência para achar graça às graçolas duma revista de terceira qualidade. As televisões tentam amenizar a solidão, mas não se trata de solidão, trata-se de morte lenta da razão de viver, trata-se de estar a morrer aos bocados por dentro; isto é mais que o existencialismo de Sartre ou Kierkegaard, porque é a vida em palpitação dentro da sua dor e não uma busca filosófica dos fins últimos da existência humana. Estar e não estar é conflito que a mente não suporta durante muito tempo.
Autor: Paulo Fafe
Entre fobias

DM
12 abril 2020