No entanto, se pensarmos bem, esta é apenas uma situação ilusória. A realidade, infelizmente, é bem diferente. A par de um bom número de portugueses que têm a ventura de gozar uns dias de merecido sossego, haverá um outro bem mais numeroso, que não tem esta possibilidade. Há quem chore entes perdidos no grande desastre de Pedrógão Grande e noutros sinistros.
Há muitos que tentam refazer haveres perdidos nas mesmas calamidades e há ainda outros que não têm sequer o indispensável para fazer face às elementares necessidades do dia-a-dia. E que dizer de martirizados povos espalhados por outras latitudes?
De facto, a pobreza grassa um pouco por todo o lado. Países que há bem poucos anos julgavam estar imunes ao seu alastramento, como os do sul da Europa, não escapam a esse flagelo. Para além da crise económica e financeira que desde 2008 abala o mundo e que paira sem que se vislumbrem sinais seguros de que o pior já passou, há ainda muitos outros motivos de desassossego.
As migrações de refugiados que transformaram o mar Mediterrâneo no grande cemitério deste início de século, a situação de guerra nos países árabes, como a da Síria ou da Líbia, as ameaças do autoproclamado Estado Islâmico, as perseguições religiosas e o ressurgimento de nacionalismos regionais não auguram tempos de paz.
Entre nós, em tempo de férias, mesmo tentando refazer forças para um novo ciclo de trabalhos e canseiras, é importante não desligarmos completamente das verdades incómodas que nos rodeiam. Apesar da aparente acalmia, há questões latentes prontas a despoletar acesas disputas e temas fraturantes prontos a dividir a sociedade portuguesa.
A cerca de mês e meio do escrutínio do próximo dia 1 de outubro, as Eleições Autárquicas serão naturalmente um assunto escaldante em muitos municípios. As diversas leituras dos resultados que analistas e comentadores irão fazer, cada qual construindo as opiniões mais consentâneas com os seus gostos e interesses, marcarão certamente muito do que será a segunda metade da legislatura da atual maioria de esquerda que nos governa.
Em distinto patamar, mas não deixando de ser um assunto de grande melindre e altamente polémico, estará a legislação, recentemente aprovada, referente às chamadas barrigas de aluguer.
Outra matéria que merecerá redobrada discussão, por constituir mais um violento ataque à propriedade privada, será o novo IMI para detentores de bens imobiliários de determinado valor.
Neste tempo de múltiplas ameaças e de grandes incertezas, apesar de várias tormentas, de numerosos escolhos, de erros de percurso e, principalmente, por não se vislumbrar com clareza um projeto nacional bem definido capaz de galvanizar a sociedade portuguesa para patamares de maior desenvolvimento, é preciso não resignar.
Em época de férias, em especial neste dia santo de grande significado para a maioria dos portugueses – Solenidade da Assunção da Virgem Maria ao Céu – mais do que reservar uns momentos para reflexão interior, é tempo de dar graças pela vida e pela paz que temos vivido.
Autor: J. M. Gonçalves de Oliveira