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Educar para a aldeia global

Num texto publicado em 1929, o escritor húngaro Frigyes Karinthy (1887-1938) evocava a possibilidade de estarmos vinculados a qualquer outra pessoa no mundo através de uma cadeia de relações individuais que não ultrapassa meia-dúzia de ligações. De acordo com a Teoria dos seis graus de separação – posteriormente desenvolvida pelo psicólogo norte-americano Stanley Milgram (1933-1984) – cada um de nós se encontra a seis ou menos apertos de mão de um comerciante do arquipélago Tristão da Cunha, do ditador norte-coreano Kim Jong-un, de um camponês de La Rinconada (Chile), do Papa Francisco ou de qualquer outra pessoa a viver neste planeta. Já há muito que estamos todos conectados.

Estudos mais recentes indicam que essa distância de seis graus é ainda mais reduzida quando se trata do universo de utilizadores de uma rede social digital, sendo inclusivamente dividida por dois no caso do Facebook. Ou seja, estamos a três perfis de distância de qualquer outro utilizador. Já há mais de meio século (1967) que Marshall McLuhan cunhou a expressão “aldeia global” para caracterizar os efeitos da globalização, dos media e das novas tecnologias da informação e da comunicação. De facto, o mundo transformou-se num imenso burgo em que aparentamos estar cada vez mais próximos uns dos outros.

Todavia, a metáfora da “aldeia global” tem vindo a afastar-se do seu sentido original. É amiudamente aplicada como sinónimo de um mundo idílico em que os novos media se tornaram vetores de uma comunicação através da qual se consolidam inexoravelmente os laços sociais. Embora seja muitas vezes incriminado de “determinismo tecnológico”, Mc Luhan tinha nítida consciência dos riscos associados à transição da cultura da escrita para a cultura audiovisual. Já nos anos 60, o investigador canadiano se inquietava com a emergência de novas formas de violência associadas à retribalização das identidades ou ainda com os efeitos da vigilância digital na vida dos cidadãos.

Não há dúvida que vivemos numa aldeia global, mas como em muitas aldeias portuguesas continua a haver uma “meia de cima” e uma “meia de baixo”. Parece que quanto mais próximos uns dos outros, menos nos entendemos. Quanto mais meios à nossa disposição para dialogar, mais focos de dissensão se avivam. Em vez de nos afligirmos apenas com índices de aprovação escolar, melhor faríamos em repensar o nosso modelo educativo. O mundo mudou e continuamos a querer inculcar os mesmos conhecimentos e competências.

A realidade evolui a uma velocidade tal que cada geração passou a ter a sua própria designação: os baby boomers (nascidos ente 1945-1964), a geração X (1965-1981), a geração Y, millenials ou nativos digitais (1982-1994) e a geração Z ou centenials (1995-2010). Em simultâneo, crescem exponencialmente as desigualdades sociais e polarizam-se as diferenças ideológicas. O mercado das identidades gera barreiras pretensamente intransponíveis. Paradoxalmente, nunca tivemos tantos dispositivos e um acesso à educação tão privilegiado como hoje para fazer desta aldeia global um lugar aprazível para se viver.

Continua a faltar-nos o essencial: dar valor ao silêncio e à escuta; cultivar a beleza do Mistério; ter a humildade de reconhecer as nossas limitações; reconhecer o Outro como riqueza em vez de ameaça; redescobrir o dom da gratidão e da gratuidade e por aí adiante. Dizia a raposa ao Principezinho: “os homens não têm mais tempo de conhecer coisa alguma. Compram tudo prontinho nas lojas. (…) É preciso ser paciente.” Mas para ser paciente é preciso haver condições. Não se criam laços sem uma educação para a cidadania. Sem mudança do paradigma educacional, a nossa aldeia nunca será verdadeiramente global. Continuará sempre a haver uma “meia de cima” e uma “meia de baixo”.


Autor: Manuel Antunes da Cunha
DM

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20 março 2021