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É Natal. Urge aprender a celebrá-lo cristamente

«O Verbo fez-se carne» (Jo 1, 14) escreve São João com espanto e maravilhamento, muito mais palpável no texto grego. Na encarnação, contemplamos Deus que vem ao encontro do homem, fazendo que se realize em si a alteridade do próprio homem. Deus torna-se homem como nós, «um da mesma massa que nós», dirá Hipólito de Roma. A encarnação é o culminar da história da salvação, da acção de Deus que, desde a criação, tende para a corporeidade (Manicardi, Comentário à Liturgia Dominical e Festiva – Ano B, p. 35). Deus assume a condição humana a partir de dentro. Deus faz habitar a própria divindade na carne humana; o homem dá a Deus a sua própria humanidade. Deus faz-se homem para que o homem, seguindo as pisadas do Filho, Jesus Cristo, encontre Deus em plenitude: eis a maravilhosa permuta celebrada no Natal. A encarnação narra que tudo o que é humano, da concepção à morte da pessoa, é objecto da solicitude e do interesse de Deus, está envolvido pelo amor de Deus. A carne humana é a morada de Deus; a humanidade de Jesus Cristo é o lugar de Deus. Continua Manicardi: a encarnação é mistério porque, mesmo quando a compreendemos, nem assim deixa de ser mistério: «no mistério entramos, mas não o esgotamos; quanto mais o compreendemos, mais se torna envolvente e fascinante». A quilo a que mais podemos comparar a encarnação é ao amor, ao mistério do verdadeiro amor, porque também nele, o crescente conhecimento do outro não significa a perda ou o fim do interesse pelo outro, mas o seu aprofundamento. Por isso, a encarnação fala-nos da história do amor de Deus pela humanidade; diz-no que Jesus é a narração de Deus: «a Deus jamais alguém O viu. O Filho Unigénito, que é Deus e está no seio do Pai, foi Ele quem O deu a conhecer». (Jo 1, 18)
Os cristãos conhecem Deus apenas através de Jesus Cristo. E só podem dizer de Deus o que Jesus contou acerca dele. E Jesus disse-nos, essencialmente, que «Deus é amor» (I Jo 4, 8. 16)
O Natal torna-se possibilidade, para o crente, de renascimento e de regeneração: acolher o Verbo, isto é, aceder à fé no Nome do Senhor significa entrar na vida de filhos de Deus. No Filho, Jesus Cristo, somos tornados filhos de Deus, como nos ensina o discípulo amado. Este nascimento acontece na fé, graças ao poder do Espírito, plasmando assim a humanidade de uma pessoa, tornando-a semelhante à humanidade de Cristo. É da fé na encarnação que nasce a santidade, a nossa vocação comum. Natal é o maior acto de fé de Deus na humanidade: confia-nos o seu Filho. Por isso, no Natal, não celebramos uma recordação, mas uma profecia: um não, gritado aos valores mundanos, à fome de poder e ao acomodamento às coisas e aos acontecimentos. O Menino que nasceu em Belém, que chora, que vive as situações de um bebé, 'não passou' mas é, hoje, o Ressuscitado que está aqui e agora a celebrar connosco o seu nascimento. Garantiu-o Jesus, o Emanuel, o Deus connosco: «Eu estou convosco até ao fim dos tempos» (Mt 28, 20). É nosso companheiro de viagem como o foi dos discípulos de Emaús. Ele ficou connosco para ser a nossa força e a nossa luz (Jo 1, 17) É assombroso que Deus se faça homem, mas não é menos espantoso que o faça para divinizar o homem, qualquer pessoa, sem distinção de classes ou categorias: «a todos os que O recebem deu-lhes o poder de se tornarem filhos de Deus' (Jo 1, 12). Esse Menino é a cabeça desse grande corpo que é a humanidade. Cada membro lhe pertence, dói-lhe, é seu, é Ele. (Cf. Col 1, 18). Por isso afirmava com razão santo Agostinho: «Alguns cristãos cometem um grande absurdo quando, ao mesmo tempo que dão um beijo a Cristo no rosto, o estão a pisar na pessoa do próximo». Natal é muito mais que todo esse ambiente superficial e manipulador que se respira por estes dias nas nossas ruas. É uma festa muito mais profunda e gozosa que todos os artifícios da nossa sociedade de consumo egoísta e indiferente. Como crentes, temos de recuperar o coração desta festa e descobrir, por detrás de tanta superficialidade e aturdimento, o mistério que dá origem à nossa alegria. Temos de aprender a celebrar o Natal: detenhamo-nos em silêncio diante do Menino e acolhamos toda a sua proximidade e ternura divina. Talvez fiquemos exultantes de alegria como Francisco de Assis. Um Santo e Feliz Natal!
Autor: Carlos Nuno Vaz
DM

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23 dezembro 2017