O dia 22 de novembro fica-me marcado pela perda de dois padres no mesmo dia. Ambos faleceram em Ponte de Lima: de manhã, o Padre Eurico da Silva Pinto, faria no final deste ano, 69 anos; ao cair da noite, o Cónego Doutor António de Oliveira Fernandes, com 77 anos de idade.
O primeiro foi meu colega em doze anos de seminário; o segundo foi meu professor e reitor no tempo dos estudos de teologia. De ambos tenho boas e gratas recordações, telefonando-lhes amiudadamente. Cada um no seu nível foram para mim bons padres, quer pela estima, quer pela consideração recíproca.
Se o P.e Eurico estava doente há cerca de três anos, com uma doença imprevisível, mas fatal; o Dr. Oliveira Fernandes caiu de repente, a partir do final do mês de setembro. O lugar de calvário de ambos teve por palco a vila de Ponte de Lima, um em casa e outro no hospital… mas ambos faleceram nesta conjuntura do ‘covid’, portanto em condições de constrangimento até na hora das exéquias finais.
Que dizer de dois padres a quem nos ligam laços de amizade humana e sacerdotal? Que destacar num e noutro que possa alimentar a nossa caminhada em condição de fragilidade? Como nos poderemos consolar – mais ao nível espiritual do que humano – quando vemos partirem de nós facetas que nos ajudam a viver de olhos postos na meta? Apesar da dimensão da fé na vida eterna custa muito ver partir quem nos é querido…
Deixo de forma breve um sentido testemunho sobre estes dois padres.
- Do Padre Eurico fica-me a sensação de alguém que fazia da liturgia uma escola de vida. Nalguns casos era quase rubricista, de tal modo lia e interpretava as letras vermelhas do missal. Gostava de cantar. No tempo de seminário ouvimo-lo a tocar clarinete. Não sei se desenvolveu essa faculdade. Por diversas vezes o desafiei a descer ao sul do Tejo, mas dava a impressão que o elástico limiano não o deixava ir senão até Fátima, onde fazia, regularmente, o seu retiro sacerdotal anual… Lá o encontrei várias vezes. Foi pároco de Paredes de Coura toda a vida, sem deixar a sua terra natal, tal o apego e dedicação…
- Do Cónego Doutor Oliveira Fernandes posso dizer que precisamente há quatro meses (20 de julho) o visitei com um outro antigo professor e prefeito, Padre Fraga. Passamos um dia em recordações, nas fraldas do Lindoso – sobretudo vendo o seu encantado ao mostrar-nos os espigueiros da localidade – e fomos partilhando aspetos simples desses anos de seminário, cada um na sua qualidade. Ofereci-lhe o último livro sobre as parábolas e ele retribuiu com as anotações sobre o que tinha lido no anteriormente publicado: ‘como poderei compreender, sem alguém que me oriente?’. Não deixa de confundir quem diz que aprende com aquilo que nós partilhamos! A última vez que falei com o Dr. Oliveira Fernandes foi por ocasião do aniversário da sua ordenação sacerdotal, em finais de setembro. Sentia-se um tanto cansado, embora, como sempre, bem-disposto. Guardo dele viva afeição e salutar memória de alguém inteligente, embora talvez nem sempre apreciado e interpretado, sobretudo tendo em conta a sua hermenêutica em Paul Ricoeur. A recolha ao seu reduto limiano foi uma espécie de retiro antecipado das lides académicas e, porque não, eclesiásticas. Afinal, o medo das ‘duas machadinhas’ (77) tornou-se mais do que fatal, fatídico.
Sem ser mera coincidência, o Padre Eurico e o Dr. Oliveira Fernandes faleceram no dia de santa Cecília, padroeira da música! Até sempre, amigos e irmãos no sacerdócio.
Nota: são mais dois padres que retiro da lista telefónica num conjunto mais recente, mas doloroso!
Autor: António Sílvio Couto