Enquanto a modernidade apresentava uma essência totalitária, estando a liberdade individual subordinada à segurança colectiva, vivemos desde o final do século XX um pós-modernismo que se caracteriza pela celebração da experiência do sujeito. O consumo, o prazer e a liberdade individual constituem os três vértices duma nova estrutura social que, lembra Bauman, não consegue todavia proporcionar aos seus cidadãos uma real autonomia.
Na “sociedade líquida”, o que conta é o indivíduo cuja integração depende do acto de consumo. O estatuto social, a identidade e o sucesso passam a ser definidos em termos de escolhas individuais, mudando ao sabor das circunstâncias. Assistimos, por um lado, à crise das instituições democráticas, incapazes de resolver localmente problemas cujos contornos são manifestamente globais. Por outro, o primado do consumo e a promessa da felicidade imediata esbarram com a desigualdade social e uma precariedade cada vez mais estrutural.
A falta de segurança traduz-se numa falta de liberdade. Vivemos numa era de incertezas. O que era sólido, tornou-se líquido. Os acordos, quer sejam celebrados entre os indivíduos, quer sejam firmados entre nações, valem enquanto valem. Mudam as circunstâncias, volta-se com a palavra atrás. O irrevogável é transitório. Contam apenas os resultados. Basta olhar para o mundo da política, do desporto, dos media, mas também para o nosso próprio universo laboral ou as interacções nas redes de amigos e familiares. Os sujeitos são descartáveis, intercambiáveis, predestinados a serem excluídos devido à sua idade, sexo, origem, religião ou qualquer outra característica não condizente com os cânones em vigor.
A insegurança gera desconfiança. A crise deixa de ser oportunidade de renovação. O contraditório converte-se em mero adversário. Procurámos algum conforto naqueles que pensam como nós. O que importa é o número de likes, de pageviews, de tweets, de yes man, as audiências e quaisquer outros sinais que possam confortar as débeis certezas que ainda nos restam. Numa sociedade assim não há real diálogo, apenas encruzilhadas de solilóquios.
Numa entrevista ao El País (09/01/2016), Bauman concluía dizendo que “as redes sociais não ensinam a dialogar porque é muito fácil evitar a controvérsia… Muita gente as usa não para unir, não para ampliar os seus horizontes, mas ao contrário, para se fechar no que eu chamo de zonas de conforto, onde o único som que escutam é o eco de suas próprias vozes, onde o único que vêem são os reflexos de suas próprias caras.
As redes são muito úteis, oferecem serviços muito prazerosos, mas são uma armadilha”. Também não é por acaso que só lemos o jornal afecto ao nosso clube e que consideramos descerebrados todos os adeptos do emblema adverso. Olvidámos que a defesa das nossas convicções não pode fazer-se sem um profundo respeito por aquele que pensa de forma diferente. Caso contrário, corre-se o risco de esboroamento social.
Autor: Manuel Antunes da Cunha