O termo corrupção significa uma alteração, um desvio ao objectivo traçado para a sã vivência em comunidade, isto é, significa um afastamento da busca do bem comum em benefício do bem particular, individual. O mesmo é dizer: a corrupção anuncia a desordem, que só a justiça, com justa punição, pode devolver à sociedade democrática. Com efeito, Aristóteles, na Política, diz que «os homens não se associaram apenas para viver mas sobretudo para a vida boa (1280 a 32)», uma vida pautada pelo discernimento contínuo do maior bem, o bem comum. E o Homem, desde cedo, se deixou enredar em obstáculos que ainda hoje são a sua perdição, os presentes.
Ora, na Grécia Antiga, usava-se a palavra dorodokía para designar a corrupção política; literalmente, significa suborno através da aceitação de presentes, de donativos. Platão, em A República (390 e), um texto datada do fim do séc. V a. C., já fala do efeito perverso dos presentes que convencem os deuses, os reis veneráveis, um pensamento que já se encontrava no tragediógrafo grego Eurípides, mais concretamente na Medeia, representada pela primeira vez em 431 a. C. e que cita este provérbio popular (v. 964): «os presentes até aos deuses convencem».
Pois bem. Aristóteles, na Constituição dos Atenienses, um tratado redigido entre 329 e 322 a.C., data o primeiro caso de corrupção política em 409 a. C. E o caso atinge directamente o coração do sistema político, os juízes dos tribunais. Relata o filósofo estagirita que «foi Péricles o primeiro a estabelecer um pagamento para o serviço em tribunal, como forma de fazer frente à riqueza de Címon e ganhar o favor popular» (Const. dos Atenienses, 27.3). Este pagamento aos juízes, continua Aristóteles, é a causa «apontada por alguns, da degradação dos tribunais, já que passou a ser o cidadão comum e não o mais qualificado a vir sempre com maior presteza para a tiragem à sorte dos juízes» (27.4).
Nesta sequência, conta Aristóteles como é que Ânito, comandante do exército grego em Pilos, se livrou da acusação de ter sido ele o culpado da derrota: «No seguimento desta medida, teve igualmente início a corrupção, de que o primeiro exemplo foi dado por Ânito, depois do seu desempenho como comandante em Pilos: ao ser acusado por alguns de haver perdido Pilos, subornou o tribunal e conseguiu a absolvição» (27.5).
Na opinião de Aristóteles, o preceptor do famoso Alexandre da Macedónia, «enquanto Péricles esteve à frente do povo, a situação política manteve-se num cenário favorável; após a sua morte, porém, ficou bastante pior» (28.1). Com efeito, após a morte de Péricles, em 429 a. C., «pela primeira vez, o povo escolheu para seu chefe alguém que não gozava de boa reputação entre as classes superiores, quando, até então, estas haviam estado sempre à frente da vontade popular».
Assim, naquela época foi eleito Nícias, «que havia de perecer na Sicília, e coube a Cléon, filho de Cléeneto, a direcção popular» (28.3). E o retrato que se segue dispensa comentários, tão eloquente é ele a respeito de Cléon: «Ao que parece, foi este, com as suas impulsividades, quem mais corrompeu o povo: foi o primeiro a gritar na tribuna, a usar termos insultuosos e a discursar com a roupa cingida, enquanto os outros se exprimiam com decoro».
Autor: António Maria Martins Melo