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Desassossego

Assim, quem medita os Evangelhos, quem procura neles ajuda, ou energia para obter mais verticalidade, justiça social ou mesmo para uma vida de apostolado, pode ficar intrigado quando conclui que Cristo usava o silêncio, para através do silêncio falar; usava as parábolas e as suas relações, servindo tudo para estimular seus incultos discípulos a se tornarem um grupo de vencedores e capazes de dilatarem o Cristianismo, em prol da Humanidade.

Por isso, é impressionante saber que Cristo, ao dizer “Pai, se possível afasta de Mim este cálice”, não recuou, não hesitou. Expressou sim, a grande e bela poesia de liberdade, resignação e autenticidade! Estava consciente do cálice que iria beber: “que não seja como Eu quero, mas como Tu queres”. Jesus Cristo triunfou, a morte jamais!

Após o presente intróito, fruto do estudo, das convicções, da fé em permanente crescimento e desassossego do autor, há que reflectir, entranharmo-nos na realidade da vida dos homens, no atafulhamento de preconceitos em que vive, na falta de proteínas cerebrais que têm sido substituídas por ensebadas gorduras do mundo, no desprezo pelos caminhos seguros da vida, trocados por lugares-comuns onde a banalidade impera, para, dizer-se – como se diz hoje – que “a busca e a posse de valores e da conquista da liberdade responsável, são coisas dos tempos do paleolítico, da idade da pedra lascada”.

O maior estabelecimento de ensino que a humanidade teve e tem, é a sala dos quatro evangelhos, relatados pelos discípulos de Cristo após a Sua ressurreição. Pertenço também a esta Sala e sou, dentro dela, aluno e discípulo iniciado, sabendo que jamais passarei de ano, nesta vida. Todavia, penso assiduamente na balbúrdia em que o Mundo vive, na louca correria em que se lança à estrada, na maldade e no egocentrismo que crescem em cada dia que passa, nas possibilidades de guerra mundial e das já existentes em conhecidos locais, da pobreza-à-vista – que nunca como hoje se tornou conhecida – e dos ricos ilegais que o Mundo conhece e vê crescer. 

Tal balbúrdia, tem como cozinheiros – além dos atrás citados – certos formalistas, comentadores, editores de informação, filósofos de bancadas, romancistas de ruas cavadas e, entre outros mais, de realizadores cinematográficos vesgos. 

A família é contestada, a tradição esquecida, a religião abandonada, a cultura banalizada e a arte é fútil, paradoxal ou doentia. Mas então valeu ou vale a pena (ainda) Jesus Cristo? Não tenho dúvidas: valeu e vale a pena para todos, até ao fim dos tempos! 

É melhor o homem de hoje do que o homem a quem pessoalmente Cristo pregou? Só Ele sabe. No entanto, sei que o homem do meu tempo parece diferente daquele que Cristo viu com Seus próprios olhos: parecemos mais educados, mais civilizados, atenciosos, delicados, mais caridosos nas acusações feitas aos cristos que nos rodeiam. Somos mais sorridentes, escondemos bem o que não queremos que vejam e, Cristo… sempre Jesus Cristo! – sabe o que somos e sabe o que não deveríamos ser.  

Há mais de dois mil anos, “O sol tinha-se eclipsado e o véu do templo rasgou-se ao meio. Dando um forte grito, Jesus exclamou: “Pai, nas tuas mãos entrego o meu espírito”. Dito isto expirou. Então, após a entrada de Cristo na Sua Glória, Cléofas e outro companheiro seguiam a caminho de Emaús, comentando o que tinham visto e, desiludidos caminhavam com o trágico fim do Mestre. O próprio Cristo os acompanhava nessa caminhada e falou-lhes, interrogou-os e só mais tarde O conheceram. É isso! Os homens têm dificuldade em conhecerem – em suas vidas – o Cristo dos evangelhos e muito mais dificuldade em acolher e interiorizar a razão de Ele ter estado entre a Humanidade.

Escrevi assim hoje, porque vivo desassossegado enquanto permanecer como aluno iniciado nesta sala de Aulas dos evangelhos, isto é, da mensagem d’Aquele que expirou entre o meio-dia e as três da tarde. Pelo que, aos religiosos do Deus de Jesus Cristo e aos leigos, aos simplesmente crentes e humanistas, aos cépticos e ateus, formulo-lhes votos sinceros de que, pelo menos em tempos Pascais, vivam desassossegados espiritualmente, para que a todos não aconteça como aos dois homens na estrada de Emaús: Cristo ia com eles e eles não O conheceram.

(O autor não escreve segundo o novo Acordo Ortográfico)


Autor: Artur Soares
DM

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14 abril 2017