twitter

Denúncia profética

1. A primeira leitura da Missa do domingo passado (Jeremias 20, 7-9) fez-me pensar numa coisa a que, na Igreja, se chama denúncia profética. O Cristão é o homem de olhos abertos e cabeça no lugar. Procura saber o terreno que pisa. Lê o jornal e a Bíblia. Conclui que no mundo em que vive há, por vezes, uma distância muito grande entre o que é e o que deve ser. Apercebe-se de erros que se cometem, de situações de injustiça, de atropelos à dignidade humana, de manifestações de comodismo, de abusos de autoridade, de manobras demagógicas e de muitas coisas mais. E porque não deve ficar indiferente, sente-se no dever de denunciar; alertar para tantos erros que se cometem, na esperança de que sejam corrigidos. 2. Antes de denunciar os erros que outros cometem tem o dever de olhar para si, não aconteça de pretender arrumar a casa do vizinho mantendo a sua numa desarrumação total. Ouvi um dia ao P. Roque Cabral que os nossos olhos são como os faróis dos carros: só veem para a frente. E é necessário, muitas vezes, saber fechá-los a fim de vermos para o interior de nós mesmos. Com que coerência alerto o vizinho para determinados erros se eu mesmo cometo erros semelhantes? Com que lógica defendo a prática de salários dignos, por exemplo, se não remunero dignamente os serviços que me prestam? Quem denuncia deve ter autoridade moral para o fazer. Se o denunciante não passa de um frei tomás não lhe ligam. É pena, já que um incoerente também diz coisas muito sérias. Simplesmente, diz. 3. Ao falar da denúncia profética visam-se muitas vezes erros da sociedade civil. E os da comunidade religiosa? Em nós, os padres, não há, também, coisas a corrigir? Aceitamos e agradecemos que no-lo digam? Também há, na Igreja que amo e a quem sirvo, coisas que não estão bem. Coisas para que, por falso pudor ou por uma certa (a meu ver errada) sacralização da autoridade, se não chama a atenção. Mas também aqui a denúncia profética deve ter o seu lugar. Refiro-me, é evidente, a homens da Igreja, consciente de que sou um deles. É lamentável que a Instituição pague pelos defeitos de alguns dos seus membros. 4. Denunciar. Não permanecer indiferente. Não chutar para o lado. Não deixar que as coisas andem como não deveriam andar. Como agir? A denúncia profética deve ter como objetivo alertar para o que está mal a fim de que, quem tem o dever de corrigir, o faça, não lhe sendo permitido alegar desconhecimento dos factos. Contribuir para um mundo cada vez mais humano, mais fraterno, mais justo. Não consiste em criticar por criticar. Em alinhar na prática do bota abaixo. Para denunciar uma situação injusta não é necessário ir para o ataque pessoal ou para o insulto. Denunciar o erro respeitando a pessoa que erra deve ser a norma. Dando a quem errou a oportunidade de se justificar. Corrigir os que erram é praticar uma das catorze obras de misericórdia, mas há que praticá-la misericordiosamente. Que não haja a preocupação da denúncia sem atender a quando, como e a quem a denúncia deve ser feita. 5. A denúncia profética tem o seu preço e às vezes não é pequeno. Por isso muita gente se encolhe. Há pessoas que não admitem ser advertidas. Tendo poder, vingam-se. Quem denuncia torna-se incómodo. Há quem procure comprar o seu silêncio. Quem o tente calar com represálias, com a marginalização, com campanhas de descrédito. Não há quem tenha sido posto na prateleira por causa disso? Não é caso virgem o de haver quem maltrate o mensageiro por não gostar da mensagem. Aconteceu com Jesus Cristo. Aconteceu com João Batista. E vamos calar?
Autor: Silva Araújo
DM

DM

3 setembro 2020