Quando se olha para a Antiguidade, e dependendo do ponto de vista, verificamos que a Grécia atingiu o seu máximo esplendor com Atenas, no tempo de Péricles (500-429 a. C.), em que a pólis se organizava à luz do regime democrático. No campo do pensamento, floresceram as ideias de Sócrates (469-399 a. C.), que haviam de impulsionar seu discípulo Platão (429-347 a. C.), numa abertura ao sublime e ao abstracto de suprema perfeição. Isto mesmo se foi plasmando no campo da expressão artística, nomeadamente na escultura, com destaque para dois exemplares: o Discóbolo(460-450 a. C.) de Míron e o Dorífero(c. 450 a. C.) de Policleto de Argos, o qual havia de redigir um tratado sobre esta estátua.
Estátua e tratado, em conjunto, haviam de ficar conhecidos pelo nome de cânon. A Antígonade Sófocles sobe ao palco em 442 a. C. A tudo isto se deve acrescentar a monumental Acrópole de Atenas, elaborada segundo plano de Fídias e que se havia de imortalizar como a «escola da Hélade», num hino à suma beleza. E é no berço deste ecossistema que, anos mais tarde, se assiste ao nascimento de Aristóteles, futuro perceptor de Alexandre Magno (356-323 a. C.). Com este imperador, as fronteiras da Grécia iriam estender-se até ao extremo Oriente, nas margens do Indo. E assim, paulatinamente, ao regime da pólis, enquanto mestra do cidadão concreto, como dirá Simónides, sucederia a cosmópolis, isto é, a pátria deixa de ser a pólis e passa a ser o mundo, a terra inteira; o novo paradigma é o cidadão do universo, como escreverá, anos mais tarde, Diógenes Laércio (200-250 d. C.).
Por sua vez, o império romano havia de conhecer grande prosperidade na Época da República (509-27 a. C.), essencialmente nos seus últimos anos, na denominada Época Ciceroniana, com início em 70 a. C. A literatura latina floresce com nomes famosos, Lucrécio e Catulo, Cícero e Varrão. Com excepção do primeiro, todos os outros escritores são provenientes de diferentes regiões, o que reflecte uma contribuição importante da unificação de Itália. O mesmo se diga de Virgílio, geralmente associado à época de Augusto, mas que, em 30 a. C., já tinha escrito as Bucólicas e as Geórgicas.
Trata-se de uma época em que os filhos dilectos de Roma completavam os seus estudos em Atenas, o que explica a crescente influência da cultura grega na capital do império. Para este vigor efervescente nas letras e nas escolas de pensamento muito terá contribuído a tendência democrática que se viveu na época. A oratória assumiria lugar de destaque enquanto meio privilegiado de comunicação com as multidões; juntamente com a jurisprudência e a glória militar, elas constituem a verdadeira tríade para elevar o homem às honrarias na sociedade humana, como se pode ler em Tito Lívio (Desde a Fundação da Cidade, XXXIX.40).
Em ambos os casos atrás mencionados, a prosperidade ficou indelevelmente ligada a épocas em que a sociedade se organizava num regime tendencialmente democrático. E dizemos tendencialmente democrático porque, quer na Grécia, como já vimos, quer em Roma, como vamos demonstrar, o povo nunca teve verdadeiramente as rédeas do poder. Com efeito, ontem, como hoje, a aristocracia e as classes de maior poder económico sempre se organizaram de forma a se superiorizarem nas organizações de base e, assim, determinarem o futuro dos seus concidadãos, segundo os seus interesses.
Por isso, a melhor forma de combater como que este fatalismo das sociedades a caminho de uma democracia plena, como se deseja para a nossa, é estudar o passado e daí tirar as devidas lições para o presente. Esta é comprovadamente a única via para se alcançar a tão desejada prosperidade, que a todos os cidadãos deve acolher, independentemente da sua latitude, raça, cor, género ou religião.
É assim que nos propomos trazer até aqui a história da eleição de Cícero ao cargo de cônsul em 63 a. C., a partir da leitura de uma preciosidade para os tempos modernos, um pequeno texto que o seu irmão mais novo, Quinto Cícero, nos deixou: «Commentariolum petitionis», isto é, Pequeno Manual de Campanha Eleitoral.
Autor: António Maria Martins Melo