Chega setembro, cais de encontros e desencontros, de laços e nós, de sorrisos e lágrimas; e que é, para além de tudo, a diáspora de um povo com a alma pelo mundo em pedaços repartida, semeando portugalidade e cultura por entre teimosia e resiliência, em busca de melhor sentido e gosto para dar à vida – sua, dos filhos, dos seus.
E nós cá estamos de novo à rabiça, arando palavras, ideias, intenções, ou seja, de novo ao leme. (Ao leme? Onde é que já ouvi isto? Ah! Ao leme com Cavaco Silva e o rigor, a frieza dos números, a alavanca do cifrão, o tabu).
Mas isto são águas passadas, mormente num país governado maioritariamente por um governo socialista que não é por aí que vai, preferindo a largueza, a mão cheia, o dom da ubiquidade oblíqua; até porque as coisas, hoje, acontecem num vórtice e tão depressa como as horas ou as dores; e voláteis, vulneráveis sem marcas a canivete na casca do tempo.
E os homens que, um dia, passam pela política e a marcam a laivos de verdade e justiça, dificilmente a ela regressam; sobretudo, porque a memória das pessoas é curta e as dádivas que escorrem do politicamente correto depressa se tornam insufláveis em ondas de avantajada descrença e vã glória.
Pois bem, vendo vamos o arrasto de homens que já foram e agora já não são: Espínola, Vasco Gonçalves, Sá Carneiro, Costa Gomes, Melo Antunes, Álvaro Cunhal, Mário Soares, Galvão de Melo, Otelo Saraiva de Carvalho, Jorge Sampaio... que sei eu: vultos são que na História ficam por melhores ou piores razões que o futuro julgará.
Os homens e as épocas! Apenas apêndices, brumas, memórias que o tempo se encarrega de apagar; e tanto mais depressa, quanto deixem de ser reavivados, reacesos.
Mas, onde e que eu ia, onde é que eu já ia? Ah! Claro, os homens e o leme! O poder! Novos homens, outro leme, outro poder e o país alheio e parado de obras e de progresso, porque estagnado de propósitos e de ideias, de justiça e verdade.
E lá fora setembro cresce, nas manhãs claras e nos poentes ensanguentados, e obviamente no calendário, compelindo-nos para diante e para a finitude inexoravelmente, conforme a natureza nos adverte com pandemias e agressões ambientais várias e mortais; e nós cada vez mais céticos e mordazes contra a hierarquização de critérios, atitudes, crenças e valores, porque, por comodismo ou despropósito, os preferimos invertidos, falazes e inconsequentes.
E, assim, que vemos nós? Como frequentemente a imprensa denuncia: uma mulher grávida de gémeos a pedir que lhe matem um dos filhos porque não tem condições para manter ambos vivos, um certo polícia que degola um presumível delinquente, ou um certo governante que vê morrer um homem atropelado pelo carro oficial onde viaja no seu exercício governativo e entende que nada tem a ver com o assunto porque é, apenas, passageiro; e ainda e, mais grave ainda, certos deputados a fazerem viagens fantasmas, indo lá para fora cá dentro.
Pois é, sabemos que não vamos mudar o rumo às coisas do pé para a mão; mas todos temos o dever cívico de denunciar, de intervir, de incomodar, de enfunar velas, de soltar amarras, de fisgar esperanças; porque temos que sair da concha, de largar o sofá e as pantufas, de não pensar que basta criar os filhos, ajudar a esposa, assistir à família; e os demais, os que nos vão ao lado gente como nós é, e que, assim, sentidos deviam ser num rasgo de ativação dos nós e dos laços afetivamente tecidos, ou seja, ativando o que efetivamente e comumente somos e sempre devemos ser.
Claro que os mais lídimos, festejados e lindos valores da Democracia (liberdade, igualdade e fraternidade) hoje são os mais declinados, como os mais suados também; sobretudo quando inversamente usados, ou seja, a favor do egoísmo, do consumismo, do individualismo, do superego.
Depois, não temos sido capazes de exigir de quem governa, de quem dirige, de quem supervisiona a prática incansável dos valores sociais, económicos e culturais; porque ela é feita ao gosto e jeito de uns tantos se promoverem, se aproveitarem e gozarem a contragosto dos humildes, dos excluídos, dos explorados e dos ofendidos, dos que começam a ser, por condição, regra e repúdio, o rebanho maior nas omissamente proclamadas democracias de sucesso.
Já vai alto setembro e a caminho do equinócio; e com ele o nosso anseio, a nossa reivindicação, a nossa intervenção premente e constante para que a nossa Democracia se regenere, ative e conflua para o exercício e prática dos seus naturais valores, critérios, atitudes e ideias; porque, afinal, todos somos filhos maiores da mesma Pátria com iguais direitos e deveres numa cidadania participada, ativa e viva.
Então, até de hoje a oito.
Autor: Dinis Salgado