O futebol desperta emoções fortes e ser adepto de um clube implica uma espécie de pacto de sangue para a vida toda. Muda-se de camisola, de religião, de partido político, de marido e de esposa, mas não se muda de clube de futebol. Futebol é paixão. Um estudo pioneiro e recente da Universidade de Coimbra permitiu concluir que a paixão pelo futebol é uma forma de amor tribal que desperta emoções muitas vezes irracionais.
O futebol é uma espécie de catalisador que desperta o que de mais primitivo existe em nós, afastando-nos por instantes da civilização, transformando-nos em trogloditas que vociferam em todas as direções quando as coisas não correm bem ao nosso clube. Numa sociedade com cada vez menos deuses para amar, jogadores de futebol e treinadores são frequentemente idolatrados como verdadeiras divindades.
Quando as coisas correm mal, é fácil apupar estes recém-promovidos deuses, é fácil descarregar frustrações e os jogos de futebol e os momentos que os precedem, bem como os momentos que lhe sucedem, transformam-se em cenários de guerra cada vez mais preocupantes.
Mas há uma grande distância entre vociferar impropérios generalistas, libertadores da tensão que um jogo de futebol acarreta e vociferar impropérios insultuosos dirigidos a pessoas específicas, sejam elas adeptos, jogadores, treinadores, dirigentes ou para as suas respetivas progenitoras, quase sempre chamadas a disputas que nem sabem porque existem. E há uma distância ainda maior entre quezílias verbais e quezílias físicas. Estamos a perder o norte com muita celeridade.
Não me apetece, por isso, falar de futebol. O meu clube de coração também foi atingido por esta irracionalidade que grassa no futebol português. Foi um fim de semana triste, com cenas lamentáveis. Estou habituada ao vernáculo minhoto, ao profundo vernáculo minhoto, não estou habituada ao vernáculo minhoto apontado a pessoas específicas, a dedos em riste e a rostos de ódio que canalizaram toda a sua energia para um grupo de jogadores, para um treinador e que os reduziram a pó em frente de milhares de pessoas, numa humilhação coletiva vergonhosa.
Esta semana queria saber escrever sobre pesca desportiva, pesca em água doce, pesca em mar, pesca à pluma. A verdade é que não percebo nada de pesca desportiva mas creio que muita gente precisava de ir à pesca, a ver se adquiria a tranquilidade que precisa nas suas vidas.
Eu própria gostava de ser pescadora, sobretudo de polvos, esses terríveis caçadores com tentáculos maiores que o corpo, sem esqueleto interno ou externo e que parecem chegar a todo lado. É que há polvos que precisam mesmo de ser capturados. Antes que a tinta que libertam nos tire a visibilidade a todos.
Autor: Ana Pereira