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Da tecnologia à cultura – crónica duma revolução por fazer

Uma cidade com futuro é uma cidade cultural, uma cidade que aproveite todos os seus espaços disponíveis, começando pela rua, para gerar mais e mais criação. Braga tem locais com potencial para isso, nem é necessário pensar muito para os identificar. Mas isso não chega e é nada se a revolução não se fizer nas próprias escolas. Quando, em 2002, Daniel Pink escreveu um livro com o sugestivo título “The Revenge of the Right Brain”, deu uma pedrada no charco dessa euforia então conhecida como “Nova Economia”. Por esse tempo, o sucesso tinha uma Meca em Sillicon Valley, uma liturgia chamada empreendedorismo e o paraíso alcançava-se pelos sistemas de informação, através do desenvolvimento de novos negócios baseados em redes e algoritmos. Depois de percursores como Bill Gates, a nova geração desses inícios de milénio sentia-se capaz de atingir píncaros de sucesso baseada no cômputo. Pink vinha dizer que já nada disso era importante, e se a tal “nova economia” estava a construir-se com base nas capacidades de cálculo, típicas do hemisfério cerebral esquerdo, a tendência seria para os computadores substituírem massivamente grandes quantidades de trabalho até aí processado por esse mesmo lado do nosso cérebro. Um ano depois, Nicholas Garr voltava a agitar as águas na Harvad Business Review, com outro sugestivo artigo “IT (information technology) doesn’t matter”. Defendia estar para acontecer aos sistemas de informação o já acontecido com outras tecnologias a seu tempo disruptivas, como os caminhos-de-ferro ou a electricidade. Analisando o grande incremento dos investimentos nesta área e o facto de todas as empresas a considerarem estratégica, este seria, paradoxalmente, o caminho para deixar de o ser: “Só conseguimos – dizia Carr – ir um passo à frente da nossa concorrência fazendo algo que eles não conseguem fazer”… ora, a massificação tecnológica deixaria então e obviamente de ser um fator distintivo e, portanto, fonte da tal competitividade. Voltando a Pink, a sua conclusão foi óbvia: se a era da informação se tinha construído com o hemisfério cerebral esquerdo, os novos tempos pertenceriam aos capazes de fazer o que as máquinas jamais conseguiriam: arte, empatia e emoção, numa palavra, usar o lado direito. Isso significa que os países e as cidades do futuro teriam de ser capazes de formar e atrair uma população criativa, no sentido mais profundo do termo, orientada ao desenvolvimento de cultura e à socialização. Trata-se duma revolução completamente ao arrepio da que se está a tentar: passa por desenvolver o gosto pela leitura, pela escrita, pela História, pela Filosofia, pelas artes plásticas. Trata-se de algo que corta transversalmente o nosso ser, porque implica também promover o humanismo e, dentro deste, a tolerância, o respeito pelo outro, a aceitação das ideias diversas, elementos sem os quais a criação não tem ambiente para despontar. Uma região que queira projectar-se para as próximas décadas tem de encarar muito seriamente esta necessidade e isso faz-se não apenas com a ideia geral, mas com um plano estratégico e iniciativas concretas: promovendo centros de criação artística, desenvolvendo projectos de incentivo à leitura, a Filosofia, a História, residências artísticas e sendo um lugar amigável para que aí se instalem mentes criativas de todo o mundo. Falando de Braga, a nossa cidade foi capaz de transformar o antigo quartel duma força militarizada, num centro onde os dois mundos se encontram. Uma breve mirada ao seu programa de eventos e iniciativas mostra essa preocupação ubíqua de estar com um pé nas artes e outro nas tecnologias. É um começo, mas mais do que um começo deveria ser um embrião. Da imagem de Braga como um lugar de tecnologia e de empresas tecnológicas, deveríamos ser capazes de passar à duma cidade e região que, não só vive a arte, mas na arte, e isso só se consegue generalizando espaços de criação, orientados a todos os públicos, entrando escolas adentro e pondo esta prioridade no centro das preocupações políticas. Consegue-se promovendo e atraindo à cidade artistas, filósofos, atores, arquitectos, criadores em geral, pessoas que aí queiram viver, que frequentem os seus cafés, que visitem as suas escolas. Promove-se transformando a rua num espaço permanente de cultura e não apenas numa ou outra noite de espetacular consumo. Uma cidade com futuro é uma cidade cultural, uma cidade que aproveite todos os seus espaços disponíveis, começando pela rua, para gerar mais e mais criação. Braga tem locais com potencial para isso, nem é necessário pensar muito para os identificar. Mas isso não chega e é nada se a revolução não se fizer nas próprias escolas.
Autor: Luís Novais
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13 abril 2019