Há dias, ao atravessar o hall de entrada da Universidade Panthéon-Assas (Paris 2), detive-me junto ao espaço destinado às sanções administrativas. As atas das comissões disciplinares diziam todas respeito a plágios ou fraudes em exames, variando as sanções entre a exclusão temporária e definitiva. Numa das mais reputadas faculdades de Direito francesas – sobretudo depois de escândalos recentes – não se brinca com a lei. Por vezes, as repercussões chegam anos ou mesmo décadas mais tarde. Só para dar um exemplo, entre março de 2011 e maio de 2012, três governantes europeus apresentaram a demissão, na sequência de acusações de plágios em teses de doutoramento: o presidente húngaro Pal Schmitt, o ministro da defesa alemão Karl-Theodor zu-Guttenberg e o ministro romeno da edução Ioan Mang. Graças à imprensa, descobriram-se episódios similares na política, literatura, música, cinema e por aí adiante.
Numa crónica de 18 de setembro (“A sociedade da avaliação contínua”), um jornalista do Público – do qual sou assinante – plagiou largos excertos de um texto de Sergio Fanjul (“La sociedad conspira para minar nuestra autoestima”, El País, 27/07/2022). Nesse mesmo dia, Joana Fillol – jornalista, doutoranda em Ciências da Comunicação e colaboradora do Observatório sobre Media, Informação e Literacia (MILObs) – deu-se conta do sucedido e endereçou um e-mail ao jornalista Vítor Belanciano, ao diretor Manuel Carvalho e ao Provedor do Leitor José Manuel Barata-Feyo. No dia seguinte, responderam-lhe os dois primeiros, reconhecendo o erro e assegurando retirar as devidas ilações. A 25/09, o jornalista finaliza uma nova crónica com uma breve nota, na qual pede desculpa ao colega espanhol e aos leitores por não ter “citado um artigo (…) do qual reproduzi passagens.”
Depois de alguma insistência da Joana Fillol, o Provedor faz referência ao caso na sua coluna semanal (01/10). Descreve-o em detalhe, concluindo: “a leitora tem razão: estamos perante um plágio condenado claramente pelos textos que regem o exercício do jornalismo. É o que reconhecem os visados. (…) O jornal tomou as medidas adequadas, embora tardiamente, para esclarecer os leitores”. Pelos vistos, o Público contava ficar por aí. Entretanto, o assunto tomara já outras proporções nas redes sociais – os outros órgãos de comunicação guardavam um silêncio corporativo – descobrindo-se que havia inclusivamente mais plágios. Barata-Feyo assina então um segundo texto (“A coluna do Provedor não é um pelourinho”, 08/10), apontando baterias para a leitora, que considera querer dar “uma lição de democracia” e “desencadear uma campanha pública contra o seu autor, pondo-o no pelourinho e convidando a que o apedrejem”. Conclui referindo que “a conduta e o tempo de um jornal não são ditados pelos seus leitores, por muito que eles mereçam, como merecem, todo o respeito do provedor”.
Por seu turno (11/10), o jornalista espanhol alvo de plágio parece não ter dado muito relevo ao assunto. Quanto ao pedido de desculpas, afirma: “aceitei-as sem problemas: o lesado é ele, não eu. Eu disse para tirar ferro, pelo menos sou um pouco mais famoso no país vizinho”. Na véspera, a Direção editorial do Público decidira, afinal, “suspender a atividade redatorial do jornalista Vítor Belanciano”. Até então, o Sindicato dos Jornalistas, o Conselho Deontológico, a Comissão da Carteira Profissional e a Entidade Reguladora para a Comunicação Social não se tinham pronunciado. Surgem igualmente as primeiras referências nos meios de comunicação social. Um articulista do Sol considera que Joana Fillol “ergueu uma autêntica cruzada contra o plágio e não descansou até que um seu colega de profissão fosse suspenso das suas funções no jornal Público para gáudio das redes sociais.” A forma como a questão (não) foi tratada pela maioria dos media é sintomática de um certo corporativismo. Se o plágio fosse praticado por um universitário, um político ou um escritor haveria a mesma tolerância? Mas é também sinal de polarização no espaço público. Denunciar um caso de plágio não é lançar uma “turba assanhada” numa “saga persecutória”, embora não faltem mercenários digitais à cata de cruzadas nas redes sociais.
Autor: Manuel Antunes da Cunha