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Crer no amor incondicional de Deus por nós: eis a melhor prenda de Reis!

Na terceira catequese de Advento, Cantalamessa desenvolveu o tema: «Um Deus a amar ou um Deus que ama?» O amor, a porta mais interna do nosso ‘castelo interior’, é também a mais difícil de abrir verdadeiramente. Continuamos a ter muita dificuldade em tirar todas as consequências da revolução evangélica que nos apresenta Deus como amor. A Bíblia é um tratado sobre Deus que ama, mas, apesar disso, quase sempre, quando se fala do «amor de Deus», Deus é mais o objecto do amor, e não o sujeito do amor que nos precede sempre. O mandamento do amor de Deus funda-se sobre o sermos amados por Deus, como bem afirma João 4, 19: «Nós amamos, porque Ele nos amou primeiro». Abrir a Cristo a porta do amor significa acolher o amor de Deus, crer no amor incondicional de Deus por nós. O Natal é literalmente a epifania da bondade e do amor de Deus pela humanidade. Por isso, a coisa mais importante a fazer no Natal é receber com maravilhamento e assombro o dom infinito do amor de Deus manifestado no Menino que nasce pobre em Belém. «Quando recebemos um dom, não é de boa educação retribuir imediatamente com o nosso próprio dom. Dá-se a impressão de nos querermos desobrigar imediatamente. É preciso, antes, honrar o dom que se recebe e o seu dador, com maravilhamento e gratidão. Só depois, e quase com vergonha, é que se pode abrir o próprio dom, como se nada fosse em comparação com o que se recebeu. Em relação a Deus, o nosso dom é, na realidade, menos que nada. A primeira coisa a fazer no Natal é crer no amor de Deus por nós. E o tradicional acto de amor, pelo menos na oração pessoal, não deveria começar com as palavras: «Meus Deus, amo-te com todo o meu coração», mas: «Meus Deus, creio com todo o coração que Tu me amas». E fazer isto com verdade é das coisas mais difíceis, porque o ser humano está mais inclinado a ser activo do que passivo; mas inclinado a fazer que a deixar-se moldar pelo amor. Inconscientemente, não queremos ser devedores, mas credores. Queremos o amor de Deus, mais como prémio dos nossos actos do que como dom absolutamente incondicional e gratuito que recebemos com maravilhamento. E assim se opera insensivelmente um deslizamento e uma subversão: no primeiro lugar, antes de tudo o mais, em lugar do dom, é colocado o dever; em lugar da graça, a lei; em vez da fé, as obras. «Nós acreditamos no amor que Deus nos tem» (I Jo 4, 16) é o grito que devemos acolher com todas as forças e fazendo-nos violência. Cantalamessa chama-lhe a ‘fé incrédula’: fé que não sabe capacitar-se daquilo que crê, mesmo se o crê. Deus – o Eterno, o Ser, o Tudo – ama-me e cuida de mim, um pequeno nada, perdido na imensidão do universo e da história! Deveríamos poder exclamar com Leopardi: «É-me doce naufragar neste mar». É preciso tornarmo-nos crianças para acreditar neste amor. Elas acreditam naturalmente, instintivamente. Nascem cheias de confiança nos pais. Pedem-lhes coisas, não no pressuposto de que as ganharam e mereceram, mas porque são filhos, e um dia serão os herdeiros de tudo. É sobretudo por este motivo que Jesus recomenda tantas vezes que é preciso que nos tornemos como crianças para entrarmos no seu Reino. Mas não é fácil tornarmo-nos crianças. A experiência, as amarguras da vida, as desilusões tornam-nos cautos, prudentes e, às vezes, até cínicos. Como Nicodemos, talvez perguntemos: ‘como pode um homem renascer sendo já velho?’. Mas a resposta de Jesus é: «Em verdade, em verdade te digo, se não nasceres da água e do Espírito, não podes entrar no Reino de Deus» (Jo 3, 5). Este renascimento não é o resultado do esforço ou da veleidade humana, ou uma excitação do coração: é obra do Espírito Santo. É um renascimento por obra do Espírito Santo e que pode renovar-se muitas vezes durante a vida. Foi isso que os apóstolos e os discípulos experimentaram em Pentecostes e que também nós devemos desejar que aconteça ao celebrar mistérios como o Natal. O essencial da manifestação de Pentecostes está nestas palavras: «Todos ficaram cheios do Espírito Santo». ( Act 2, 4) E que é o Espírito Santo? É o amor com que o Pai ama o Filho e com que o Filho ama o Pai. De uma maneira mais livre, podemos dizer: «é a vida, a doçura, o fogo, a felicidade que flui na e da Trindade, porque o amor é todas estas coisas juntas e em grau infinito». Dizer que «todos ficaram cheios do Espírito Santo» é como dizer que todos ficaram cheios do amor de Deus. Fizeram uma experiência inebriante de serem amados por Deus, submergindo-os num oceano de paz e de felicidade. É o Pentecostes actualizado para cada um de nós no baptismo. É essa experiência que fazem os santos e que fez Bento XVI ao proferir as últimas palavras: «Senhor, eu amo-te!». A Epifania, este ano logo seguida pelo Batismo no Jordão, – com que termina o tempo de Natal – desafia-nos a esta experiência absolutamente vital e a que a repitamos muitas vezes ao longo do ano, sobretudo ao celebrarmos o sacramento do amor, que é a Eucaristia.
Autor: Carlos Nuno Vaz
DM

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7 janeiro 2023