Parece, em termos simplistas, um tremendo absurdo, mas a realidade confirma-o absolutamente: só em democracia se fala em corrupção; e esta prática corruptiva conduz à fragilização, desvalorização e descrédito do regime democrático e suas virtualidades; basta vermos o que acontece, no momento, com alguns presumíveis acusados: um primeiro-ministro, antigos ministros, banqueiros, magistrados e gestores públicos.
Porque, pensando nós no exercício da equidade e da verdade, em regimes totalitários nunca se fala em corrupção ou, simplesmente, ela é tabu; e, sabido como é que a uma maior liberdade e autonomia, mais responsabilidade e transparência correspondem e são exigidas, em democracia estas devem estar sempre presentes e ativas.
Depois, como resultado da corrupção, os fenómenos de compadrio, de favoritismo, de crimes económicos e financeiros, da fuga de capitais e da lavagem de dinheiros são cada vez mais evidentes e frequentes em democracia; e esta negação dos autênticos valores democráticos conduz-nos à questão fundamental: será que democracia e corrupção podem conviver ou são mesmo coincidentes?
Não, claro que não; porque a corrupção, contradizendo a verdade, a transparência, a justiça social e a igualdade, oprime e escraviza a cidadania ativa e responsável; e, assim, se caminha inevitavelmente para os totalitarismos, sejam de esquerda ou de direita.
É então, aqui, que entra o poder judicial independente, rápido e eficiente, porque só ele pode garantir o exercício livre, responsável e equitativo dos direitos, liberdades e garantias dos cidadãos que apanágio são dos regimes democráticos; mas isto só acontece em sociedades económica, social e culturalmente organizadas e evoluídas.
Ora, a nossa democracia, apesar dos seus 43 anos de existência, ainda longe está de conseguir estes níveis de eficácia e transparência organizacional e funcional: o que pode ter a sua explicação na natureza caraterial e ética de muitos dirigentes e atores políticos, bem como na cultura de indiferença, alheamento, acomodação e laxismo da maioria do nosso povo.
Pois bem, frequentemente, se ouve a opinião pública lamentar que a Justiça demora e funciona mal; sobretudo, como convém, funciona mal e demora para os casos mais mediáticos, porque para o cidadão comum tal já não acontece; e muitas vezes se constata que o peixe miúdo é depressa julgado e, se for caso, entretanto o peixe graúdo – os poderosos –demora a ser julgado e dificilmente vai dentro, porque tem a defendê-lo os melhores advogados que conseguem prolongar os processos com recursos e mais recursos e, muitas vezes, até à prescrição e consequente arquivamento; e isto tudo devido à fragilidade e ineficácia da atual legislação.
Depois, os magistrados, juízes e funcionários judiciais queixam-se da quantidade de trabalho, da falta de meios e da complexidade legislativa, como, por exemplo, a utilização constante de recursos atrás de recursos e os buracos existentes nas próprias leis; e, a este propósito, já António Champalimaud costumava dizer que conhecia muito bem as leis e só contratava e pagava aos advogados para que nelas procurassem e encontrassem o buraco por onde escapar; e isto sempre acontece em todas as circunstâncias e setores da atividade, quando as leis não são suficientemente claras, concludentes e beneficiam mais um lado do que outro.
Agora, se a Justiça carece de recursos, humanos e materiais, como o comprovam as frequentes queixas de quem para ela e nela trabalha, existem formas e meios de reverter a situação, se houver vontade política; por exemplo, reduza-se o número de deputados à Assembleia da República, dos membros do governo e demais elementos da organização pública e ponha-se fim às suas escandalosas ajudas de custo, acabe-se com o financiamento estatal aos partidos políticos e as isenções de pagamento de impostos, concretamente IVA, IUC, IMI, diminuam-se as despesas absurdas com viagens, carros e motoristas do Estado e da Administração Pública; e, igualmente, que se revejam os códigos e a legislação judicial para tomar a Justiça mais ágil, eficiente, clara e independente.
E, assim, o povo que tem do funcionamento e aplicação da Justiça uma opinião muito negativa e depreciativa pode ser que deixe de ouvir, de uma vez por todas, aos tais peixes graúdos a mesma cantilena de que estão de consciência tranquila e dormem descansados, que tudo não passa de uma perseguição política, que quem não deve não teme ou que são vítimas de invejas e retaliações; e possa com tranquilidade ver, como em muitos países, seja o tubarão, seja o peixe miúdo eles são igualmente tratados pela Justiça.
Só, então, poderemos todos exclamar que democracia e corrupção não são compatíveis e, muito menos, podem pacificamente conviver; e, só assim, embora sendo o menos mau dos regimes políticos, a Democracia aqui pode encontrar uma forma de revitalização, credibilidade e apoio popular.
Então, até de hoje a oito.
Autor: Dinis Salgado
Corrupção e democracia
DM
4 abril 2018