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Como fazer das procissões manifestações de fé cristã?

«Nas suas formas genuínas, as procissões são manifestações da fé do povo e têm frequentemente conotações culturais capazes de despertar o sentimento religioso dos fiéis. Porém, do ponto de vista da fé cristã, as ‘procissões votivas dos santos’[levando processionalmente as relíquias ou uma estátua ou uma efígie dos santos pelas ruas da cidade], tal como outros exercícios de piedade, estão expostas a alguns riscos e perigos» – Diretório sobre a piedade popular e a liturgia, n.º 246.

Desde já uma declaração de interesse: sou defensor das procissões, sempre as vi e as vivi como manifestações de fé e considera-as ainda como oportunidades (aproveitadas ou perdidas) de evangelização mais do que de catequese.

Tal como se diz no documento da Congregação para o culto divino e a disciplina dos sacramentos há riscos e perigos. Neste texto gostaríamos de centrar a atenção nestes sinais nem sempre positivos ou talvez mais reveladores de algum paganismo infiltrado nas ‘nossas procissões’.

Escrevo depois de uma experiência recente menos boa ou mesmo desagradável de duas procissões na mesma tarde, no contexto da mesma paróquia, mas sob a alçada de povoações rivais, controversas e um tanto complexas…

Sem exagero encontro nas ‘nossas’ procissões os riscos seguintes:

termos pessoas que participam, levando os andores ou outros sinais, que não têm um mínimo de prática religiosa e nalguns casos nem formação humana e de educação;

não haver uma preparação suficiente para desempenhar essa tarefa, pois não basta ter boa vontade, é necessário que tenhamos compostura, asseio e bom senso;

podermos, até sem disso nos darmos conta, mais exaltar a vaidade do que o serviço, o bairrismo mais do que a comunhão, a discórdia mais do que a união;

perdermos a oportunidade de apontar para Deus, que os santos e Nossa Senhora quiseram glorificar, para realçarmos facetas mais humanas e, por vezes, um tanto pagãs ou paganizadas;

deixarmos de rédea solta quem não sabe nem quer saber do significado das procissões e da sua relação com o divino, mais do que na convulsão do humano;

podermos confundir estas manifestações de fé com outros momentos sociais, sindicais ou políticos, misturando ou deixando que possa haver aproveitamentos menos dignos de alguns.

= Esta meia dúzia de riscos e/ou perigos serão tanto mais potenciados quanto os intervenientes se deixam guiar por intuitos que não servem a boa-fé nem a fé boa. Com efeito, certos bairrismos onde se quer suplantar os vizinhos pelo foguetório – antes, durante ou depois – será isso digno de sentimento religioso, que deve estar presente nas procissões? Quando os adereços de (ditos) artistas de renome – às vezes não passam de embrulho e de pacotes de agência – servem para que se meça o valor da festa, será isso dimensão cultural mínima e suficiente? Quando se pretende fazer de uma festa ou de uma procissão em particular uma tentativa de afirmação social, económica ou de grupo, não estaremos a desvirtuar a genuinidade da fé que fez surgiu tais manifestações dos crentes?

= É neste quadro de ser manifestação de fé – simples ou esclarecida, enraizada ou adventícia, mais pessoal ou popular – que devemos fazer com que as procissões não se desviem do seu sentido original, pois isso seria ofender aqueles a quem pretendemos honrar, fazendo que os imitemos na forma como se deixaram fazer santos/as.

Levar para a rua essas imagens – maiores ou mais pequenas, mais bonitas ou mais rudimentares, mais singelas ou mais ricas – é sempre um compromisso em sermos dignos de quantos nos precederam na fé e devemos transmitir aos vindouros não só uma certa tradição, mas um testemunho de vida, alicerçado nos valores do Evangelho e no seguimento atualizado de Jesus, o nosso mestre e senhor.

Pelas procissões, sim, mas que tenham beleza, organização e cristianismo… Tudo o resto pode ser rapidamente exorcizado de tantas influências malignas, tendenciosas e paganizadas…


Autor: António Sílvio Couto
DM

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26 agosto 2019