A notícia discreta desta semana levantou de novo a possibilidade de os jovens aos 16 anos poderem exercer o direito de voto. A questão nunca foi discutida de forma séria e envolvente. Na Europa, poucas são as experiências assumidas. Áustria faz o pleno permitindo o exercício de voto em todos os atos eleitorais e na Alemanha, há apenas alguns estados onde é permita, mas limitada na sua maioria, às eleições municipais. E é exatamente aqui que esta questão devia ser levantada: faz sentido Portugal antecipar o voto naquelas que são as eleições em que os eleitores se sentem mais próximos dos eleitos? – A favor, pode-se argumentar que esta é a idade da “generosidade e dos ideais” (pediatra Mário Cordeiro), um período em que a solidariedade, o sentido de justiça e a vontade de querer mudar alguma coisa, tornam os jovens propícios à participação cívica. Contra: sabemos bem o que se passa com o voto dos jovens entre os 18 e os 30 anos. Uma grande maioria não vota, quando muito fá-lo numa eleição, mas não em todas. Porquê então alargar este voto? Abrir a possibilidade de acrescentar abstenção à abstenção não é boa para a democracia. A participação quase ridícula dos jovens em atos similares como as eleições para as associações estudantis no secundário e universidades, mostra bem que há ainda muito trabalho a fazer para motivar a juventude a assumir as suas responsabilidades. Os orçamentos participativos são outro bom exemplo e amostras de sucesso na mobilização para esta oportunidade de escolher uma obra ou serviço, são poucas.
O que parece estar a contaminar esta incapacidade de assunção de responsabilidades cívicas entronca na perceção da realidade que leva a juventude de forma geral a considerar inútil o seu voto, seja pelo desinteresse causado pelos candidatos e pela sua linguagem, seja pela fraca comunicação intergeracional que acaba por dar o mau exemplo, ao não exercer o seu direito de voto. Mas há mais: a denúncia do General Ramalho Eanes sobre um dos erros cometidos pelos fazedores do 25 de Abril (não houve aposta no exercício para a Cidadania), e a panóplia de maus exemplos de governação, seja nas políticas para a juventude, seja nas escolhas erradas de obras e serviços, seja pelos atos contínuos de corrupção e falta de transparência que, infelizmente, continuam a aniquilar qualquer esforço que se faça para inverter esta apatia generalizada, mostram bem que a tarefa é hercúlea As próximas eleições autárquicas são um bom teste para a governação 5.0 que quer atrair o poder de inovar e de criar da juventude mas estes, na verdade, estão apenas interessados no negócio. Viram as costas à política, não querem saber dos partidos para nada e são pragmáticos na hora de descartar responsabilidades para o exercício político. São voluntários, solidários e atentos às oportunidades, mas é só.
Um dos focos desta ideia de antecipar o voto reside no facto de a sociedade os considerar aptos a serem julgados e condenados, a poderem trabalhar legalmente até casar ainda que condicionados pela autorização dos pais e que por isso deveriam poder votar. Na verdade, trata-se apenas de acrescentar um problema a outro problema. Votar não é cool nem para os jovens até aos 30 e muito menos para as gerações mais velhas que fazem o favor de dar o mau exemplo aos filhos.
A questão é por isso estéril e é pena. Uma democracia madura, e consolidada em todos os seus parâmetros, deveria ser capaz de mobilizar os seus cidadãos, mas não é. Muitos dos nossos eleitos chegam ao poder autárquico e legislativo com menos de 50 por cento dos eleitores a votarem. A legitimidade é formal, mas não é substantiva e assim tem sido em Portugal e um pouco por toda a Europa. As eleições europeias são, aliás, um bom exemplo: a juventude gosta da ideia da Europa e das liberdades que esta lhe proporciona e vira-lhe as costas quando esta reclama pela sua participação ativa. Também aqui, tal como nas eleições nacionais, há uma disfunção permanente entre governantes e governados. Nas grandes causas nacionais como é o combate à corrupção, a mobilização deveria começar desde tenra idade, como aliás pretende o governo fazer agora nos primeiros anos de escolaridade, através da estratégia nacional. Mais preocupante ainda parece ser o estado de letargia da sociedade, com consequências irreversíveis para o exercício pleno da Cidadania.
Destaque
Abrir a possibilidade de acrescentar abstenção à abstenção não é boa para a democracia.
Autor: Paulo Sousa