twitter

Cícero e a sua candidatura ao consulado, na república de Roma (3)

O irmão de Cícero, Quinto, continua a sua exposição, recordando-lhe que ele deve meditar, com insistência, naquilo que ele é e na natureza do cargo a que se candidata; para além disso, nunca se deve esquecer que está em Roma, uma advertência que nos traz à memória o provérbio popular «Em Roma sê romano».

Resume Quinto (Pet. I.2) o seu pensamento nesta frase: «Sou um homo nouus, aspiro ao consulado, esta cidade é Roma» (Novus sum, consulatum peto, Roma est).

Como já se disse, Cícero era um homo novus, isto é, não tinha uma tradição familiar no Senado ou nas magistraturas, isto é, cargos políticos ao serviço do estado romano. Com efeito, Cícero ascendeu à nobilitasdepois de ter percorrido com êxito o cursus honorum. Um feito que só estava ao alcance de quem possuísse uma fortuna considerável, como era o seu caso. Se, no séc. IV a. C., altura em que a nobilitasse constitui como uma nova elite dominante na sociedade romana, começando por juntar patrícios e plebeus, mais tarde, lá pelo séc. II a. C., a nobilitasestava reservada praticamente apenas aos descendentes de cônsules.

Quanto ao cursus honorum, o leitor deve ter presente que este era um percurso consagrado para a evolução dentro da carreira das magistraturas ao serviço da República Romana e que havia sido regulamentado no séc. II a. C.

A ordem para o exercício destes cargos estava assim estabelecida: questor, em número variável (40 no tempo de César), com idade mínima de 28 anos, olhava pelas finanças e, por isso, também eram considerados os guardas do Tesouro; edil, em número de quatro, ocupa-se da administração municipal, isto é, da limpeza, policiamento, saneamento básico e organização dos jogos públicos; pretor, com idade mínima de 40 anos, em número variável, ocupavam-se do exercício da justiça e podiam substituir os cônsules, na ausência destes; cônsul, em número de dois, com idade mínima de 43 anos, são os primeiros magistrados da República e por eles passa a responsabilidade de recrutar e comandar o exército, de convocar e presidir ao Senado e aos Comícios por Cúrias e aos Comícios por Centúrias.

O exercício das magistraturas é anual e estava proibida a sua acumulação; um segundo mandato só poderia acontecer com um intervalo mínimo de dez anos. A estas magistraturas deve acrescentar-se a eleição de dois Censores, eleitos de entre os antigos cônsules. Eram estes magistrados que faziam o recenseamento dos cidadãos, de cinco em cinco anos, e que implicava a sua classificação de acordo com a sua fortuna pessoal. São eles que procedem ao recrutamento do Senado e zelam pelo bom funcionamento deste sistema político. O exercício deste cargo estendia-se ao longo de dezoito meses, sem possibilidade de renovação.

Depois desta breve explicação, vamos retomar a leitura do pequeno manual de campanha eleitoral escrito pelo irmão mais novo de Cícero, Quinto. Como se vê, Cícero tinha uma limitação muito grande nesta eleição: ser um homo novus. Porém, Quinto indica ao irmão Cícero uma característica que o pode ajudar a ultrapassar com sucesso esta limitação, a sua fama de orador (Nominis nouitatem dicendi gloria maxime subleuabis). E acrescenta um argumento esclarecedor: non potest qui dignus habetur patronus consularium indignus consulatu putari, isto é, aquele que é julgado digno de ser advogado de antigos consulares não pode ser considerado indigno de aceder ao consulado (I.2).

No âmbito do quadro político da república romana, isto é importantíssimo, pois, sendo os consulares senadores que já haviam exercido a magistratura do consulado, eles tinham a prorrogativa de usar a palavra e de votar logo a seguir ao princeps senatus. Daí a sua enorme influência social, como sublinha António Carlos Silva nas notas à tradução do latim, editada pela Campo da Comunicação, em 2015 (Quinto Cícero e o Commentariolum petitionis. Manual da campanha Eleitoral).


Autor: António Maria Martins Melo
DM

DM

6 julho 2019