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Cícero e a sua candidatura ao consulado, na república de Roma

1. O berço do candidato

O tempo que vivemos faz-nos recordar frases que ainda ecoam na nossa memória e para sempre por lá hão-de ficar, como este slogan, um dos mais repetidos: Paz, Pão, Liberdade! E por mais progressos que a sociedade portuguesa tenha feito, ainda não o alcançou verdadeiramente. O mesmo é dizer, os portugueses ainda estão a fazer o seu caminho na busca incessante de um regime efectivamente democrático, em que as rédeas do poder estejam mesmo nas mãos do Povo! Mas por mais imperfeito que ainda seja este regime, ele apresenta-se-nos como o melhor para se alcançar a plenitude da realização do ser humano, do Homem. E é neste ponto que as lições da história se tornam importantes para iluminar os caminhos do presente. Neste contexto se deve situar a eleição de Cícero, grande estadista de Roma Antiga. Não obstante a sua luta intransigente na defesa da república romana, como sucedeu no caso da conjuração de Catilina, os dias de Cícero haviam de conhecer o seu ocaso de forma trágica: a 7 de Dezembro do ano 43 a. C., os sicários do triúnviro Marco António decapitavam o orador e decepavam-lhe as mãos, que seriam expostas nos rostros do Fórum, onde os oradores se dirigiam ao povo. Com efeito, após o assassínio de César, tinha sido aí que Cícero incitara o povo a revoltar-se contra Marco António, da facção de César, favorecendo Octaviano, o futuro imperador, sobrinho e herdeiro de César. Esses discursos, em número de catorze, ficariam conhecidos por «Filípicas». Cícero morreu no seu apego à liberdade e ao serviço da sua pátria. Conta-se que um dia mais tarde, quando Octávio Augusto viu um dos sobrinhos com um tratado de Cícero entre as suas mãos, terá deixado escapar estas palavras: «Um homem eloquente, minha criança, e amante da sua pátria», segundo o relato do historiador Plutarco. Seja como for, é o percurso político deste homem, que subiu a pulso, na vida, que vamos trazer para esta coluna, um percurso, claro, visto pelos nossos olhos e tendo como ponto central esse Breviário de uma Campanha Eleitoral, redigido pelo seu irmão mais novo, Quinto Cícero. Também este havia de ser ceifado à vida durante as proscrições de Marco António. Este pequeno tratado de Quinto Cícero pode ser consultado a partir do repositório da Universidade de Lisboa, neste endereço (repositorio.ul.pt/bitstream/10451/2623/1/ulfl080879_tm.pdf); trata-se de uma tese de mestrado de António Carlos Prestes Gonçalves Rocha da Silva, sob a orientação da Professora Doutora Maria Cristina de Sousa Pimentel, do Centro de Estudos Clássicos, datada de 2010.

Cícero, de seu nome completo, Marco Túlio Cícero (L. Marcus Tullius Cicero), foi natural de Arpino, uma cidade de província, montanhosa, a cerca de uma centena de quilómetros da capital; daí, tantas vezes, a designação de Arpinate. Nasceu no ano 106 a. C., no sei de uma família abastada, o que lhe permitiu ingressar na classe equestre. Seu pai era um homem dado à agricultura e com afeição às letras, o que exerceu uma influência decisiva no percurso dos seus dois filhos. Aliás, em Roma, onde seu pai tinha uma casa, Cícero havia de distinguir-se na escola. Desta época da sua formação, Cícero há-de recordar a influência do poeta grego Árquias, um famoso mestre escola. Aos 18 anos, havia de causar-lhe grande influência a postura intelectual do académico Fílon de Larissa, que ouvira em Roma; sustentava este filósofo, combatendo o dogmatismo, que antes de se tomar posição se devia ouvir ambas as partes em discussão, para concluir que todas as conclusões eram sempre provisórias. Nesta sequência, o seu tratado filosófico Da natureza dos deuses, Livro I, já escrito no fim da sua vida, no ano 45 a. C., havia de registar que numa discussão se devia privilegiar mais a força da argumentação que o peso das autoridades. E foi assim que se foi sedimentando uma das marcas distintivas da filosofia do Arpinate. Quando mais tarde, no ano 79 a. C., empreendeu uma viagem à Grécia, vai à Academia onde ouve Antíoco e o mestre de oratória Demétrio. Nos seis meses que se demorou em Atenas, também havia de estudar a filosofia epicurista, levado pela mão de seu amigo Ático. Os estudos de oratória aperfeiçoá-los-ia na ilha de Rodes, com Apolónio de Mólon e talvez Posidónio, filósofo estóico e um dos espíritos enciclopédicos mais vastos da Antiguidade.


Autor: António Maria Martins Melo
DM

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4 maio 2019