Não foi notícia e deveria tê-lo sido. Em todo o mundo livre.
Não compreendo, deve ser problema meu, a fortíssima tibieza do Vaticano contra a perseguição ao Cardeal Zen. Antigo Bispo de Hong-Kong, tem-se destacado pela defesa da democracia e liberdade naquele território que, teoricamente, goza de liberdade como “zona especial” da China, tal como Macau, e onde, cada vez mais, se sente a asfixia totalitária de Pequim, cujo regime não respeita os direitos humanos fundamentais.
O Cardeal Zen manifestou-se contra o chamado “Acordo Secreto” entre o Vaticano e a República Popular da China onde os cristãos passaram a ser controlados pelo PCC, imagens religiosas retiradas de igrejas e substituídas pelo Secretário-Geral do PCC e onde a liberdade de culto não existe, onde é proibido dar catequese a crianças e jovens e onde são coarctadas outras manifestações de liberdade religiosa. Pior: o Cardeal Zen, aquando desse acordo, foi a Roma onde queria entregar uma carta ao Papa para que este fosse informado dos perigos e riscos para o catolicismo chinês e, sobretudo, para os católicos da chamada “igreja clandestina”, fiéis a Roma e, por tal, ferozmente perseguidos leigos, padres, religiosos e Bispos. Foi a Roma. Não foi recebido por Francisco!
O Cardeal Zen conhece, muito bem a realidade chinesa. É chinês. Tem 90 anos. Está lúcido. Sobre este tema escreveu, mostrando o amor que sempre teve para com o Papa e a defesa dos católicos perseguidos, um livro a que deu o título “ NÃO ME CALAREI”. E não se tem calado mesmo quando lhe atiram sobre si a indiferença e o desprezo.
O Cardeal Zen vai ficar na História da Igreja Católica que está na China pois sempre soube estar do lado certo e não do lado mais fácil, do lado dos opressores.
Infelizmente, parece que ele será, com os vários milhões de católicos clandestinos que sofrem torturas e perseguições por serem fiéis a Roma eterna e não ao Partido Comunista Chinês, mais um mártir. Recorde-se que ainda recentemente foi preso e julgado como criminoso, malgrado viver em Hong-Kong perante o silêncio cobarde, com palavras ambíguas de outros, que “acompanhavam” a situação! Espantoso!
Que valor tem um acordo com um regime repressor e opressor, secreto ainda por cima, que dá poder ao Governo chinês de nomear os Bispos e controlar o que se ensina nas homilias das igrejas?
Que valor tem esse tal acordo que se cala com a demolição de igrejas e monumentos públicos cristãos?
Que valor tem o acordo secreto que não protesta contra leigos e clérigos presos por cometerem o “crime” de serem católicos e verem a sua vida escrutinada por causa da sua fé?
Como é tremenda esta nova “Ostpolitik” aquela acção política que no século passado pós-conciliar tanto fez sofrer Cardeais e Bispos e que hoje estão em processo de beatificação e ofendeu tantos e tantos leigos que deram a sua vida pela sua Fé!
Em Setembro de 2020 quando foi a Roma por 120 horas permitidas pelas autoridades comunistas, levar uma carta ao Papa, que não o recebeu, o Cardeal Zen disse:
“Fiquei o tempo permitido, mas de Santa Marta (a casa onde vive o Papa Francisco) não houve nem um aceno.”
E assim regressou a Hong-Kong onde o acordo com a Grã-Bretanha que devolveu o território à China, tal como sucede com o acordo entre Portugal e a China que cedeu Macau, não é respeitado e cada vez mais faz daqueles territórios um espaço do regime comunista repressivo.
“Pensar em fazer acordos com Pequim é uma loucura”, disse à comunicação social em Setembro de 2020 o Cardeal Zen que em 24 de Maio p.p., na festa de Maria Auxiliadora e Nossa Mãe de Sheshan e Jornada Mundial de Oração pela Igreja na China compareceu em Tribunal por “conspiração com forças estrangeiras” e onde vai regressar a 19 de Setembro próximo. Estiveram presentes naquela primeira audiência diplomatas da Alemanha, França, Suécia e Itália e com a ausência do Vaticano.
Há silêncios e ausências que não compreendo. De todo.
Autor: Carlos Aguiar Gomes