A proposta de regulamento da Taxa Municipal Turística de Braga, que reproduz quaseipsis verbiso regulamento em vigor no Município do Porto, estabelece uma alegada taxa “devida pelos hóspedes, pelas dormidas em todos os empreendimentos turísticos e estabelecimentos de alojamento local definidos na respectiva legislação”, como contrapartida do “aproveitamento turístico proporcionado pelo conjunto de actividades e investimentos promovidos pelo Município de Braga, relacionados com a actividade turística”.
Falámos de alegada taxa, porque a caracterização de um tributo não resulta do nomen juris que a entidade criadora do mesmo lhe der. Como diz o Acordão do Tribunal Constitucional n.º 539/2015, designar um tributo de taxa, ou qualificá-lo, expressamente, como constituindo a contrapartida de uma prestação provocada ou utilizada pelo sujeito passivo, torna-se irrelevante, quando o regime jurídico concreto em que o tributo se encontra legalmente definido não consentir semelhante caracterização.
Vamos, então, indagar se a dita taxa respeita o regime jurídico e constitucional vigente.
Como sabemos, as taxas das autarquias locais são tributos que assentam na prestação concreta de um serviço público local, na utilização privada de bens do domínio público e privado das autarquias locais ou na remoção de um obstáculo jurídico ao comportamento dos particulares. A principal nota que as caracteriza e distingue dos impostos é, portanto, o seu carácter bilateral, uma vez que a sua cobrança depende da existência de uma pontual, mas efectiva, relação de correspondência jurídica com uma prestação específica e concreta do Município.
Será que quem pernoitar num hotel de Braga beneficiará da real prestação de um serviço público, enquadrada no conjunto de actividades e investimentos promovidos pelo Município de Braga?
Parece evidente que não, pelo menos de um modo efectivo. Quando muito, esta relação de correspondência assentará numa simples presunção, que configurará não uma taxa, mas uma contribuição financeira a favor do Município.
Com efeito, mesmo que se admita que o regime geral das taxas das autarquias locais é suficientemente aberto a ponto de permitir a possibilidade de criação pelos municípios de taxas sobre serviços ou utilidades públicas não susceptíveis de individualização (indivisíveis), é razoável concluir que a dita taxa municipal de turismo não pode ser juridicamente diferenciada de um imposto, quando lançada sobre as dormidas de hóspedes, como é o caso em apreciação.
Qualquer tributo orientado para o financiamento de actividades gerais e indivisíveis, como o conjunto das actividades e investimentos relacionados com o turismo, não pode ser subsumido ao conceito de taxa, na exacta medida em que não permite a individualização da utilidade recebida, relevante na perspectiva de quem tem o dever de pagar. De facto, uma parcela significativa das utilidades em questão beneficia indistintamente a todos os habitantes do município.
Dito de outro modo, as actividades e investimentos relacionados com a actividade turística só podem ser objecto de tributação quando se materializarem em serviços individualizados, ou seja, em utilidades susceptíveis de serem apreciadas à luz do princípio do utilizador-pagador, uma vez que as taxas não visam a satisfação de necessidades financeiras do Município em função da capacidade contributiva dos sujeitos e no cumprimento de um dever de solidariedade.
Sendo este tributo um verdadeiro imposto, a sua criação está sujeita à reserva de lei formal e, por isso, será inconstitucional a sua futura criação pela Assembleia Municipal de Braga.
Esta conclusão não implica excluir de jeito absoluto e automático a legitimidade da criação de taxas pelos Municípios no domínio do turismo. O que não poderá ser admitido, à luz dos preceitos constitucionais aplicáveis, é a criação de taxas cujo facto gerador corresponda exclusivamente, ou ao menos de maneira preponderante, à prestação de serviços gerais ou difusos naquele sector de actividade.
Espero que o Município de Guimarães, que também pretende criar uma taxa no contexto do turismo, seja capaz de dotar o seu futuro regulamento de bases de incidência que respeitem os princípios legais e constitucionais vigentes e que prefigurem, portanto, uma verdadeira taxa turística.
Autor: Florentino Cardoso