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Assédio

Mulher célebre que se prese deve declarar que, pelo menos uma vez na vida, sofreu assédio sexual para dar a impressão que tem o seu poder de sedução em alta. Digo isto com ironia porque cada vez mais vou vendo nos jornais nacionais e estrangeiros declarações de “mulheres célebres” a queixarem-se de que aqui ou acolá foram assediadas, imagine-se, igualmente por “cavalheiros célebres”.

Parece que isto vai virando moda. Se não é uma maneira de extorquir dinheiro e também beneficiar duma publicidade gratuita, pelo menos vai dando a ideia de marketing; não sei, nem tal posso afirmar que o seja, mas que tem contornos disso, tem.

Já sou do tempo em que algumas funcionárias, quando o chefe lhes não dava as dispensas que queriam, se rasgavam no seu gabinete e saiam de lá gritando que tinham sido assediadas. Foi preciso ter uma terceira pessoa dentro dos gabinetes para testemunhar e desmontar a tramóia. Mas isto comparado com os milhões para as assediadas atuais e que reivindicam os direitos de reparação moral, é comparar a unidade com o milhão.

Vem isto a propósito da brasileira Bruna Lombardi ter declarado recentemente que também foi assediada, há tempos, pelo cantor norte americano, o roqueiro Jon Bon Jovi.

Os tempos mudam, é verdade, lá dizia Camões, “todo o tempo é feito de mudança”, e muito longe parecem os tempos em que se dizia que as mulheres sérias não tinham ouvidos; agora, com a evolução dos usos e costumes e adoção de liberdades mais modernas femininas e o triunfo definitivo do relativismo, as abordagens masculinas ou se tornaram violentas e desrespeitosas, ou então a sensibilidade feminina está mais apurada.

Não estou a deitar a capa para aqueles que contra a vontade das mulheres as violentam; estas atitudes repudiamo-las com veemência e protesto. É repugnante a todos os títulos, porque tem o fétido da imoralidade. Mas é preciso que se diga que, muitas das vezes, o assédio masculino começa pela provocação e consentimento feminino; as provocadoras devem saber que não acaba ali o flirt e que estão a jogar um jogo muito perigoso.

As mulheres que se expõem ao risco da provocação consentida, expõem-se a consequências sofridas. Diziam-me que a segurança da mulher estava em fugir das ocasiões. Velhos preceitos que, embora esbatidos pelos tempos de hoje, não deixam de ter a sabedoria de experiência feita de dantes. O experimentalismo é embrião do cientifismo.

Se uma mulher for abordada e nada quiser, sabe muito bem onde está o lugar para seu refúgio. Agora têm de saber que onde há lama se sujam sapatos.

Nada justifica uma violência de cariz sexual, mas é preciso evitá-la antes de castigá-la. Suponho que o que leva as mulheres assediadas a virem tardiamente, às vezes com espaço de décadas, a relatar o que lhes aconteceu, seja o desejo de uma vingança tardia, talvez na busca de um castigo expiatório para eles e para elas a catarse do trauma suportado.

Talvez, mas infelizmente todo o castigo tardio pune mais quem o suportou do que quem o praticou. Segundo dizem algumas mulheres que passaram por este trauma, pairam e coabitam nelas, a espaços, sentimentos de culpa.

Compreendo por que razão hão de tê-los, mesmo sabendo que aquilo que lhes foi tirado à força, não tem força de culpa própria.

Compreendo porque a ferida mantém-se em aberto, não consegue cicatrizar. Mas se nem o tempo faz desaparecer a culpa, então posso imaginar o grau de sofrimento a que estiveram e estão sujeitas as mulheres assediadas. Pela força nem para ser herói.


Autor: Paulo Fafe
DM

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30 abril 2018