Naturalmente, por mais que uns e outros os tentem desvalorizar, quer o resultado global das eleições locais, quer o que vier a ser consagrado no OE condicionarão a curto prazo o caminho dos diversos protagonistas políticos envolvidos e, principalmente, o nosso futuro imediato.
Entretanto, como se estes dois acontecimentos não fossem suficientemente importantes para pôr a sociedade portuguesa a fervilhar, há indícios indeléveis de outros factos poderem vir a saltar para a ribalta fazendo de setembro e dos meses que lhe irão suceder tempos verdadeiramente escaldantes.
Na verdade, quando se apurarem responsabilidades sobre o que falhou no combate aos grandes incêndios que devastaram boa parte da floresta e que foram responsáveis por perdas irreparáveis de pessoas e bens, como ainda há poucos dias o Presidente da República exigiu, quando forem devidamente esclarecidas as circunstâncias do roubo de material de guerra da base de Tancos, ou ainda quando for concluído o processo de investigação da Operação Marquês, certamente não faltará matéria para refletir, esclarecer e gerar renovação e mudança.
Aproximam-se tempos suscetíveis de algumas turbulências. O país tem vivido num clima de tranquila serenidade e até de algum encantamento. Os resultados económicos vindos a público, ultrapassando as previsões mais otimistas, frequentemente entoados pelos principais responsáveis do Governo, têm funcionado como um elixir verdadeiramente mágico. Só é realmente propagado o que interessa para manter este ambiente de euforia e é quase ostracizado quem ousa destoar. Há um sentimento generalizado que abafa e tenta reprimir opiniões diferentes.
Este sentimento generalizado é bem retratado na Nota de Abertura da Rádio Renascença do último dia 24, a propósito da polémica dos Blocos de Atividades da Porto Editora, que distinguem entre meninos e meninas: ”A sociedade portuguesa tem que romper esta anestesia do politicamente correto que nos tenta convencer que até a natureza se muda por decreto”.
Ora, não pretendendo pronunciar-me sobre tal controvérsia por não conhecer os referidos cadernos, nem tão pouco saber se contêm conteúdos discriminatórios, posso contudo afirmar que há e continuará a haver diferenças entre o sexo masculino e o sexo feminino – elas existem desde os primórdios da Humanidade – independentemente de reconhecer e pugnar pela sua efetiva igualdade. Contudo, nem é isso que me constringe e me surpreende.
Não quero nem consigo deixar de manifestar enorme perplexidade pelo facto de ser o próprio Governo, através do Ministro-adjunto, a recomendar à editora que retirasse do mercado aqueles livros para crianças dos 4 aos 6 anos por, no mínimo, constituir um precedente grave: uma atitude censória que fere a liberdade, atenta contra o pluralismo e põe em risco o direito de opinião.
A sociedade portuguesa tem de acordar para esta cultura do “politicamente correto” que veladamente nos querem impingir. Urge não nos deixarmos manietar pelas ideias dominantes que, não raras vezes, apenas visam alcançar fins muitas vezes inconfessáveis, fazendo crescer o medo e apresando as consciências que não podem ou desistem de lutar.
Aproxima-se um setembro escaldante e, possivelmente, outros se seguirão! Que a paz e a tranquilidade que temos vivenciado permaneçam como características predominantes do povo português e que este nunca desista de defender a sociedade livre, plural e solidária que fomos construindo nas últimas décadas.
Autor: J. M. Gonçalves de Oliveira