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Afinal dormir é preciso

Neste tempo de Coronavírus com o pais em estado de emergência – cercos sanitários, quarentenas, confinamento domiciliário e isolamento social – esta NORTADA vem mesmo a calhar; ponha-a, pois, em prática seguindo o seu conselho, e verá que o tempo passa mais depressa e com menos constrangimentos. Vamos lá então.

Os ditados que, como o povo, na sua imensa sabedoria, caraterizam situações da vida real, estão a passar de moda; e o facto deve-se, naturalmente, aos avanços das investigações científicas e ao evidente aumento do alfabetismo popular. Por exemplo, quando se diz que a falar é que a gente se entende ou que grão a grão enche a galinha o papo, aplicados à vida política nacional, estes ditados só nos podem fazer rir a bandeiras despregadas; é que sabemos por experiências desenhadas e vivenciadas que, quanto mais falam certos políticos menos ouvidos e atendidos são, como nem pensar que é migalha a migalha que enchem os bolsos.

Pois bem, para chegarmos a estas conclusões não foram, obviamente, os argumentos da ciência que desmistificaram os ditos populares, mas a observação da realidade diária; e o mesmo poderemos pensar de muitos outros que, ao longo dos tempos, andaram na boca e nos julgamentos populares.

Vejamos, agora, estoutro ditado que diz respeito ao sono e à necessidade de dormir: quem muito dorme pouco aprende; ora, se o meu amigo leitor é dos que professa a teoria deste ditado popular, desiluda-se, porque tudo isto não passa de uma refinada patranha, pois hoje em dia, os estudiosos do assunto sustentam a tese de que tão necessário é o dormir como o comer ou o beber.

Aqui, sem dúvida, assenta como uma luva aqueloutro ditado popular, tão antigo como a irresolúvel questão de saber quem nasceu primeiro se a galinha se o ovo, que diz que dormir é meio sustento; e esta sentença vai direitinha ao encontro das tais conclusões científicas sobre a necessidade de dormir e de bem dormir.

Pois é, o dormir pouco está cientificamente considerado um problema de saúde pública que consigo arrasta uma possibilidade maior de se contrair doenças crónicas como a obesidade, a diabetes, a hipertensão, o stresse, a depressão e, até, distúrbios gastrointestinais; e estas perturbações afligem sobremaneira, quer os adolescentes, quer os adultos que dormem, em regra, cinco a seis horas por noite.

A Academia Americana da Medicina do Sono (ASM) argumenta que o sono desempenha um papel retemperador do organismo, renova as células e refaz os níveis fisiológicos; e, além disso, produz anticorpos e hormonas que protegem e defendem o equilíbrio psicossomático.

Na mesma linha de pensamento e ação, a Sociedade Portuguesa de Pediatria (SPP) alerta para os efeitos nefastos, porque negativos, na aprendizagem, no comportamento, no desempenho e no equilíbrio emocional encontrados em crianças com privação crónica de sono; e, mais grave ainda, conduz à promoção da obesidade e dos riscos de quedas ocasionais e, sobretudo, ao fraco desempenho cognitivo.

Por isso, a teoria moderna de que dormir é um desperdício de tempo e que já passamos a terça parte da vida a dormir, é errada e só serve os interesses económicos, consumistas e hedonistas das sociedades modernas; porque entende e defende que todo o tempo é pouco para abarcar o conhecimento disponível e gozar a vida em pleno, tão curta que ela é que a dormir nada se aprende.

Agora, amigo leitor, a título de curiosidade, saiba que somos o povo europeu que menos dorme, ou seja que nos deitamos mais tarde e levantamos mais cedo, contrariamente aos finlandeses que são uns refinados dorminhocos; e, por mera questão estatística, registe que os japoneses são o povo menos dorminhoco do mundo.

Ora, esta falta de sono que nos carateriza pode muito bem explicar grande parte dos problemas (económicos, profissionais, familiares, educativos e sanitários) que nos afligem; e, até, justificar o atraso atávico em todos os domínios, exceto nos futebóis, face aos restantes povos europeus que nos carateriza e baliza.

E, obviamente, para esta nossa crónica falta de sono e de dormir talvez encontremos uma explicação mais plausível na fúria de viver, na pressa de ir à frente e de chegar primeiro e, sobremaneira, numa dependência insana das novas tecnologias e das redes sociais que muito nos absorve e ocupa o tempo e o espírito; e a reclamar aprofundada e rigorosa tomada de posição sobre a temática de governantes, gestores, empresários e famílias que seja sustentada por medidas legislativas de apoio à saúde, bem-estar, segurança e sanidade fisiológica e mental dos portugueses.

E porque não, a vinda do famoso Vitinho que noutros tempos e na televisão pública, pelas 22 horas, fez as delícias da criançada e foi uma preciosa ajuda às famílias, quando, cantando docemente sonolento e terno sob um céu enxameado de estrelas, a mandava para a cama bem cedo; assim: está na hora / da caminha / vamos lá dormir / e lá fora as estrelas / dormem a sorrir / ...; e certamente fará também as delícias de todos nós na atual conjuntura epidémica em que vivemos? Então, até de hoje a oito.


Autor: Dinis Salgado
DM

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8 abril 2020