Muito próximo já do Advento, recordamos que os seus primeiros dias estão sempre ligados a uma solenidade eclesial da maior importância, a Imaculada Conceição. Jesus Cristo, ao surgir na terra, foi ignorado pela humanidade: não só não se apercebeu da sua chegada, como Lhe reservou um lugar de nascimento impróprio para a sua dignidade. Mais! Impróprio para a dignidade de um novo ser com a nossa natureza ao vir ao mundo: um estábulo, um curral de gado.
Mas se foi maltratado na sua chegada, acabou os seus dias também do modo mais indesejável para uma pessoa do seu tempo: uma cruz, da qual estavam isentos os romanos, por se considerar um tal tipo de morte inaceitável para a dignidade de quem pertencia a Roma como cidadão. Lembremos, a propósito, que S. Pedro, judeu, foi crucificado, mas S. Paulo, decepado por possuir a cidadania romana.
Ou seja, Cristo recebeu o desprezo do homem quando iniciou, junto de nós, a sua passagem terrena e quando, no seu final, ofereceu a vida no sacrifício humilhante do Calvário. Dizendo doutra maneira: no princípio foi mal recebido e, no final, conheceu uma péssima despedida. Não podia ser pior: um estábulo e uma cruz, eis o que nós Lhe oferecemos.
Tudo isto nos faz entender melhor as razões da sua benevolência para connosco, quando aumenta substancialmente a frequência do perdão que devemos exercer, sempre que ofendidos ou denegridos por alguém. “Não – diz a S. Pedro – até sete vezes, mas até setenta vezes sete”(Mt 18, 21-22). Esta bitola tão alta, enche-nos de confiança na sua boa vontade para nos salvar e revela da sua parte um rigoroso conhecimento da qualidade comportamental do homem. Se o seu perdão fosse mais escasso, quem poderia salvar-se?
Se Cristo – Deus feito homem – apresenta esta tolerância tão forte em relação à nossa conduta (fruto do seu sentido de responsabilidade e do amor sublime que nos tem), ao encarnar, manifesta-nos com clareza que entre Ele e o pecado não existe qualquer relação nem proximidade. Não é que Ele não tenha perfeita consciência de que somos pecadores. Por isso, sempre nos releva as faltas, desde que o arrependimento sincero nos leve a pedir perdão com respeito e sinceridade humilde.
No entanto, quem O traz ao mundo, na sua qualidade de Mãe, é Nossa Senhora, que nasceu, por obra e graça da Santíssima Trindade, isenta de qualquer tipo de pecado. Por isso, é chamada Imaculada.
Ou seja, Cristo acarreta sobre os seus ombros, como costuma dizer-se, com todas as consequências que o pecado humano nos trouxe. Contudo, nunca se deixa tocar por ele. O seu combate, vitorioso e humilde, não se compadece com qualquer ligação, da sua parte, com esse mal moral, que a todos nos toca, e nos leva, tantas vezes, com voluntariedade, a não fazer o que devemos ou a fazer o que não devemos. Isso é o pecado. E se a sua Mãe – que é Mãe de Deus –, e O trouxe ao mundo, fosse contaminada por esse mal, a actuação de Cristo não afrontaria os sofrimentos e as humilhações que sofreu, com o mesmo grau de liberdade, que era perfeita e, por isso, mais valiosa, determinada e voluntária. E ao mesmo tempo, mais dolorosa por ser sempre consequência da conduta alheia, de todo o homem insubmisso e orgulhoso, mas não de qualquer acção sua, moralmente menos perfeita. Maria Santíssima, ajuda-nos assim, com o seu nascimento isento de qualquer falta, a entender melhor o sacrifício redentor do seu Filho. A sua origem maternal não conheceu nem O poluiu com qualquer tipo de imperfeição moral, como o exigia a condição divina de Jesus. Por isso, tudo o que Ele fez em prol da nossa salvação, teve um valor incomensurável e eficaz.
Autor: Pe. Rui Rosas da Silva