twitter

A vocação sacerdotal nasce de um encontro de amor

Escolhemos a frase do título como a que melhor exprime o essencial do discurso do Papa Francisco de 7 de Setembro aos participantes na Reunião Internacional sobre a formação do clero promovida pela Congregação do Clero em Roma. Servindo-se da metáfora evangélica do oleiro, Francisco afirmou que a formação sacerdotal depende antes de tudo o mais da acção de Deus na nossa vida, e não das nossas actividades. A formação não é obra de uma adaptação cultural ou alguma esporádica iniciativa local. «É Deus o artesão paciente e misericordioso da nossa formação sacerdotal». E para toda a vida! É Deus quem nos dá a força, nos plasma e nos transforma, pois somos frágeis como o barro. É necessário dizê-lo com força: «Se cada um de nós não se deixa formar pelo Senhor em cada dia, torna-se um padre gasto, apagado, que actua por inércia, sem entusiasmo pelo Evangelho, nem paixão pelo Povo de Deus. Ao invés, o sacerdote que, cada dia, se confia nas mãos sábias do Oleiro (Deus) conserva no tempo o entusiasmo do coração, acolhe com alegria a frescura do Evangelho, fala com palavras capazes de tocar a vida da gente. E as suas mãos, ungidas pelo Bispo no dia da Ordenação, são capazes, por seu turno, de ungir as feridas e as esperanças do povo de Deus». Um segundo aspecto emerge: não somos apenas barro, mas também ajudantes do Oleiro, colaboradores da sua graça. Estas duas dimensões são absolutamente decisivas na formação inicial e permanente. E há pelo menos 3 protagonistas na oficina do Oleiro. O primeiro somos nós, sacerdotes, principais responsáveis da nossa formação, porque somos nós que permitimos a Deus que nos plasme, assumindo os sentimentos de Cristo Jesus, quando não nos fechamos na pretensão de sermos já obra acabada, e pelo contrário nos deixamos conduzir pelo Senhor, tornando-nos cada dia e cada vez mais seus verdadeiros discípulos. Devemos saber dizer vários 'sim' e vários 'não'. Em vez do rumor das ambições humanas, preferir o silêncio e a oração; mais que a confiança nas próprias obras, saber abandonar-se nas mãos do oleiro e na sua providente criatividade; mais do que seguir esquemas pré-fabricados, deixar-se guiar por uma salutar inquietação do coração, sabendo orientar a própria incompletude para a alegria do encontro com Deus e com os irmãos. Mais que o isolamento, procurar a amizade com os irmãos no sacerdócio e com a própria gente, sabendo que a sua vocação nasce de um encontro de amor: com Jesus e com o Povo de Deus. O segundo protagonista são os formadores e os bispos. A vocação nasce, cresce e desenvolve-se na Igreja, sendo os primeiros formadores da vocação sacerdotal: o Reitor, os Directores Espirituais, os educadores, aqueles que se encarregam da formação permanente do clero, e sobretudo o Bispo, que o documento 'Ratio' (n.º 128) define como primeiro responsável da admissão no Seminário e da formação sacerdotal. Sem esta proximidade e acompanhamento do bispo, não podemos ter sacerdotes bem formados. E isto exige um cuidado especial pelas vocações ao sacerdócio, «uma proximidade carregada de ternura e de responsabilidade para com a vida dos padres, uma capacidade de exercitar a arte do discernimento como instrumento privilegiado de todo o caminho sacerdotal». Sobretudo aos bispos, o Papa faz o apelo a que trabalhem em conjunto, dialogando mais, superando bairrismos, fazendo escolhas partilhadas, estabelecendo em conjunto bons percursos formativos e preparando com antecedência formadores que estejam à altura desta missão tão importante. Tudo isto porque a Igreja tem muita necessidade de sacerdotes capazes de anunciar o Evangelho com entusiasmo e sabedoria, capazes de acender a esperança lá onde as cinzas cobriram os braços da vida, e gerar a fé nos desertos da história. O terceiro protagonista é o Povo de Deus que, com as suas situações, perguntas, necessidades se torna o «grande 'torno' que plasma o barro do nosso sacerdócio». Porque, quando saímos ao encontro do Povo de Deus, deixamo-nos plasmar pelas suas esperanças, e tocando as suas feridas, damo-nos conta de como Deus transforma a nossa vida. Tanto mais que, se é verdade que ao Pastor é confiada uma porção do povo, também é verdade que ao povo é confiado o sacerdote. E apesar das resistências e incompreensões «se caminharmos no meio do povo e nos gastarmos com generosidade, dar-nos-emos conta de que o povo é capaz de gestos surpreendentes de atenção e de ternura para com os seus padres». O padre deve fugir de uma espiritualidade desincarnada e de um empenhamento humano sem Deus. Não precisamos de um padre de salão, mas de um discípulo missionário a quem arde o coração pelo mestre e pelo Povo de Deus, um discípulo em caminho, um profeta que sabe despertar no coração humano o desejo de Deus.
Autor: Carlos Nuno Vaz
DM

DM

14 outubro 2017