A Organização Mundial de Saúde define perfeitamente a violência como o “uso intencional da força física ou do poder, sob a forma de ato ou de ameaça, contra si próprio, contra outra pessoa, ou contra um grupo ou comunidade, que cause ou tenha muitas probabilidades de causar lesões, morte, dano psicológico, perturbação do desenvolvimento ou privação”. Assim, a violência é também considerada como um problema de saúde pública.
De facto, a violência, sobretudo sobre as crianças, é a via rápida para a contração de doenças e para a perda de qualidade de vida. Teicher diz: “os nossos cérebros são esculpidos pelas nossas primeiras experiências. Os maus-tratos são um cinzel que modela o cérebro para lidar com conflitos, mas à custa de profundas feridas duradouras”.
A infância representa um período crítico do desenvolvimento, em que os efeitos da exposição à violência podem ser particularmente prejudicais para as suas vítimas. A violência no contexto familiar constitui uma inqualificável ofensa à dignidade humana e uma grave violação dos direitos humanos.
A evidência resultante da investigação nas áreas da epidemiologia e da neurobiologia sublinha que o abuso repetido e/ou grave durante períodos críticos de desenvolvimento cerebral na infância pode levar a alterações estruturais e funcionais do próprio cérebro. Um ambiente tóxico familiar vai não só interromper o normal desenvolvimento da arquitetura da criança, mas também aumentar a vulnerabilidade a problemas da saúde e da qualidade de vida na fase adulta. A violência infantil é, em muitos casos, a origem do atraso na linguagem e na leitura, da baixa capacidade de tomar decisões, do défice de atenção, de comportamentos agressivos na sociedade, do isolamento social, do abandono escolar, bem como da falta de respeito e de consideração pelos pais. Os filhos de pais violentos serão, se não houver uma intervenção atempada, futuros delinquentes, desordeiros ou tiranos.
Como é que ainda há tantos pais a hipotecar o futuro dos filhos, praticando os mais variados tipos de violência infantil? Os pais violentos confundem autoridade com autoritarismo. Ou porque têm ainda uma mentalidade muito retrógrada ou porque sofrem de patologias ou vícios graves que alteram as suas atitudes quotidianas.
A adversidade na infância pode vir a condicionar alterações na divisão das células durante o crescimento da criança. O ambiente de violência familiar vai deixar marcas graves nos filhos, originando situações traumáticas numa fase precoce da sua vida. Além disso, acabará por criar um impacto negativo, a médio e a longo prazo, na própria saúde, resultando daí sérias implicações funcionais para o seu desenvolvimento harmonioso. Afirma Bick que: “as experiências adversas na infância tornam-se biologicamente incorporadas na fisiologia, moldando trajetórias a longo prazo” (in Development and Psychopathology, 2012). A violência familiar pode tornar-se, então, num síndroma crónico ou irrecuperável.
Autor: Artur Gonçalves Fernandes