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A União Europeia e a resposta à crise do Covid-19

Foram precisas muitas horas para os ministros das Finanças do Eurogrupo chegarem a um acordo de financiamento aos Estados membros como resposta à grave crise sanitária e económica provocada pela pandemia do Covid-19. O boicote e a falta de solidariedade vieram, como de costume, dos países nórdicos, especialmente da Holanda e Alemanha que não estavam de acordo relativamente às condicionalidades a cumprir para recorrer ao fundo de resgate da zona euro, o Mecanismo Europeu de Estabilidade. Comentando o acordo alcançado, o Presidente da República, Marcelo Revelo de Sousa, disse que o resultado desse acordo ficou muito aquém do desejado. Portugal poderá obter cerca de 5 mil milhões de euros, a juros de 0,05% a 10 anos, não sendo claro se tal verba se poderá aplicar apenas à saúde ou também, à economia.

As desavenças entre os políticos e a falta de solidariedade nas ocasiões de graves crises tem posto em causa a própria existência da União Europeia.

Timothy Garton Ash, professor de Estudos Europeus na Universidade de Oxford, em artigo publicado no Semanário Expresso, do passado dia 10 de Abril, a propósito da reunião do Eurogrupo, afirma que “defender a democracia e a solidariedade entre Estados membros é crucial para o destino da UE. E recorda as palavras de Jean Monnet: “A Europa será forjada em crises e será a soma das soluções adotadas para essas crises”.

Nesta Páscoa, o Papa Francisco recordou que “este não é um tempo de divisões. O mundo inteiro está a sofrer e precisa de se unir para enfrentar a pandemia, justificando a necessidade de uma solidariedade à escala internacional, defendendo “a redução, ou mesmo o perdão da dívida que sobrecarrega os países mais pobres”. E referindo-se à Europa, pediu aos respetivos líderes políticos que “não cedam à tentação do egoísmo e alertou para a “importância de porem de parte as suas rivalidades para responderem à crise”.

Segundo o filósofo José Gil “a pandemia será o agente mediador da passagem de uma fase histórica do capitalismo (o capitalismo industrial-financeiro) – cada vez mais perturbador e caótico, cada vez menos viável no contexto geral da sociedade e do Estado – para uma outra fase em que se procuram ajustamentos necessários entre as económicas e as subjetividades que, em todos os domínios do teletrabalho às práticas de lazer, lhes correspondam adequadamente” (cf. Público de 13.04.20).

Como bem referem alguns estudiosos da filosofia do direito comunitário, a diversidade, longe de ser vivida como um obstáculo à definição de uma identidade europeia, deve ser considerada como um dos seus elementos constitutivos, de tal modo que a integração não signifique uniformização nem imposição de um modelo nacional particular aos outros países, mas a aceitação da pluralidade, no quadro de alguns princípios fundamentais comuns. Os valores fundamentais deste desejo de vida em comum revelam-se, além do mais, na aceitação da Carta dos Direitos Fundamentais da UE, adotada em 2000 e depois retomada no Tratado de Lisboa. A ideia é a de que a Europa de hoje se inspire num ideal de tolerância e ajuda mútua. Mas, o principal desejo dos cidadãos europeus, mesmo antes das questões de carácter essencialmente económicas (por ex. acesso a bens e serviços, fundos estruturais e de coesão) é o da mobilidade das pessoas, de modo a suprimir todas as burocracias resultantes das fronteiras.

A UE não pode abandonar os princípios que conduziram à sua formação, sob pena de pôr em causa a sua própria existência.

A UE está mergulhada na pior crise de sempre, suscitando a dúvida acerca da sua capacidade de sobrevivência, não só pelo ataque ao euro por parte dos mercados financeiros e às economias mais frágeis, mas sobretudo por causa dos desentendimentos dos seus membros sobre a forma de enfrentar os problemas económico-financeiros dos países da União.

Depois de muitas hesitações, com louvores aos países “poupados” (do norte)e severas críticas aos “perdulários” (países do sul), a zona euro acabou por se dotar de dois mecanismos financeiros: o Mecanismo Europeu de Estabilidade Financeira (MEEF) e o Fundo Europeu de Estabilidade Financeira (FEEF) destinados a fornecer liquidez aos Governos com dificuldades de financiamento.

A criação dessas instituições financeiras está de acordo com o Tratado de Lisboa, ao estipular que “a União promove a coesão económica, social e territorial, e a solidariedade entre os Estados-membros” (art. 3.º n.º 3.º). E ao estipular que em virtude do “princípio da cooperação leal, a União e os Estados-Membros respeitam-se e assistem-se mutuamente no cumprimento das missões decorrentes dos tratados” (art. 4.º n.º 3.º).

A nova construção resultante do Tratado de Lisboa será posta à prova com a grave crise económica que já se iniciou na sequência da pandemia decorrente do Covid-19.


Autor: Narciso Machado
DM

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22 abril 2020