Sessenta e quatro mortos, mais de duas centenas de feridos, alguns em estado crítico, a destruição total ou parcial de muitas casas de habitação e de alguns estabelecimentos fabris, a morte de numerosos animais domésticos, a perda de um incalculável património agrícola e florestal, a combustão terrificante de numerosas viaturas automóveis, tudo isto é uma pavorosa chaga aberta no corpo e no espírito de Portugal.
Ninguém poderá esquecer as imagens dantescas da «estrada da morte», com tantos fantasmáticos automóveis calcinados nos quais agonizaram e morreram homens e mulheres, idosos e jovens, asfixiados pelo fumo e queimados pelo fogo impiedoso.
Esta tragédia tem na sua origem mediata a acumulação de políticas erráticas, insuficientes e lacunares, nos domínios do ordenamento do território, em particular do ordenamento da floresta, e da prevenção de catástrofes como a que ocorreu no passado dia 17 de Junho. Ao longo de décadas sucederam-se os incêndios florestais, com mortes de pessoas e graves danos económicos e ambientais, mudaram os Governos, repetiram-se os diagnósticos, os pareceres e os avisos, publicaram-se avulsas medidas legislativas, mas todos os anos, de norte a sul do país, com mão criminosa ou não, multiplicaram-se os fogos que colocaram em risco a segurança das populações, que desertificaram grandes áreas do território e que consumiram avultados meios financeiros do erário público (nunca foi criteriosamente elaborado, aliás, um «livro negro» sobre estes custos).
A responsabilidade por esta situação endémica de calamidade pública tem de ser partilhada pelos vários Governos que se revezaram no poder e pelas forças políticas que os apoiaram.
Naquele fatídico dia 17 de Junho, porém, ocorreram factores circunstanciais de diversa ordem que originaram e potenciaram de modo imediato a catástrofe infernal: factores climatológicos que escapam ao controlo humano e falhas gravíssimas de comunicação no comando das operações de combate ao monstruoso incêndio. A abnegação, a coragem, o espírito de solidariedade e o heroísmo das populações, dos bombeiros e das forças de segurança, não podiam suprir a incapacidade de coordenação a que ficaram condenados os responsáveis pela cadeia de comando, cuja competência e cujo espírito de serviço não devem ser levianamente postos em causa.
Os políticos devem solicitar e mesmo exigir o apuramento rigoroso dos factos e das responsabilidades imputáveis aos diversos agentes e organismos intervenientes, mas não devem aproveitar-se da morte, do luto e da desgraça de tantos portugueses para alimentar e exacerbar guerras partidárias. Não estou certo de que, se em vez do Governo da «geringonça», ocupasse o poder um Governo de centro-direita a tragédia do incêndio de Pedrógão Grande tivesse sido evitada.
Parafraseando o Marquês de Pombal, uma vez enterrados com dor e dignidade os mortos, é necessário cuidar dos vivos. Cuidar sob todos os pontos de vista: na alma, no corpo e no património. A sociedade civil já demonstrou o seu empenhamento solidário. Cabe agora ao Estado levar a bom termo, com idêntico empenhamento, a sua missão própria e insubstituível: salvaguardar a gente e a terra de Portugal.
O autor não escreve segundo o chamado «acordo ortográfico»
Autor: Vítor Aguiar e Silva