Após uma pausa de doença e enxaquecas, em que na vida se vai diluindo o entusiasmo e as forças desfalecem com o peso da idade, fazemos a síntese de uma sabedoria acumulada ao longo dos anos.
O pessimismo que nos invade, sem ser o de um otimista mal informado, por vezes, abala-nos e, no silêncio, procuramos as leituras e reflexões, que podem responder a muitas das nossas insónias, angústias, maniqueísmos e dúvidas circunstanciais.
Gostei de reler e revisitar Santo Agostinho, alguém que, no seu itinerário sinuoso, nem sempre segundo o “saltério de dez cordas”, como chama ao Decálogo, escreve o seguinte:
“Durante esse período de nove anos (fala dos seus erros de professor em Cartago), cercado de muitas paixões, era seduzido e seduzia, era enganado e enganava: às claras, com as ciências a que chamam liberais, e às ocultas, sob o falso nome de religião. Aqui ostentava-me soberbo, além supersticioso e em toda a parte vaidoso. Ora corria atrás da futilidade e da glória popular, até aos aplausos dos teatros, aos jogos florais, ao torneio de glórias de feno, às bagatelas de espectáculos e paixões desenfreadas, desejando purificar-me destas nódoas, levava aos que eram chamados “eleitos e santos”, alimentos com que na oficina dos seus estômagos, fabricassem anjos e deuses que me dessem a liberdade”(Confissões. Livraria A. I. p. 86).
Esta reflexão oportuna vem a propósito do que vamos observando no mundo actual sem valores, ou com outros enviesados, na confusão de Babel, que nos veiculam com intuitos bem urdidos, fake news, reflexões em travesti e virtuais, pontas soltas de corrupção, de filigranas bem telecomandadas, sem esquecer o cor-de-rosa que nos seduz e engana, condenados à mediocridade.
Vivem de subsídios e esmolas, adiando constantemente os nossos problemas, seduzidos no fantástico das boas intenções e aplausos fáceis. A vida, por vezes, dá-nos uma sabedoria, que o povo nem sempre aplaude, mas também é verdade que não aferimos dos nossos erros, levados pelo entusiasmo e mediocridade dos nossos propósitos, mesmo os mais sagrados.
Nesta cornucópia de sentimentos e futilidades, aderimos facilmente aos que nos seduzem e parece mesmo que gostamos de ser idolatrados ou enganados com doces palavras, mas esquecidos da substância e do que é essencial na vida. Por isso, adiam-se as grandes decisões que nos podem tornar mais felizes, mas isso implica uma conversão e reconversão das nossas ideias, ainda que nos custe e de um preço precioso. Há cedências que nos levam a “glórias de feno”, como existem ações que divinizam o estômago, mas hipotecam a cabeça, ou o espírito e a consciência. Nessa encruzilhada de valores, tornamo-nos amorfos, simpáticos, aduladores, mas irresponsáveis do que fazemos ou não decidimos.
Por isso, gostamos muito dos afectos e afeições, mas não somos afeiçoados ao que temos e somos, pervertendo até os nossos valores. Agostinho compreendeu as lágrimas da sua mãe Mónica, gerado na dor e regenerado pelas suas lágrimas, foi um filho renascido até pelo bom exemplo de Santo Ambrósio, que conheceu em Milão. Esta psicoterapia, aliás de valor catártico, pode ser ocasião para muita análise sobre o aspecto económico, social, político e religioso que vivemos, a começar por uma introspecção individual, apesar das muitas preocupações que nos assaltam no quotidiano. Não somos radicais, mas sejamos sensatos, dentro de uma sabedoria cristã que, ao longo dos séculos, foi a nossa, cimentada nos princípios que fizeram o povo e nação que hoje somos.
Os desafios são grandes.Temos de deixar o marasmo e as apetências do imediato, que agradam aos sentidos, mas alienam o futuro, se nos abrimos à banalidade e barbaridade.
Autor: Rosas de Assis