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A seleção racional das oportunidades externas da aprendizagem

É que a aquisição das coisas não é fácil. Pelo contrário, exige tempo, esforço individual e trabalho. Se lutamos por elas ou se as desejamos ardentemente, reconhecemos o esforço realizado e usufruímos mais e melhor delas. Surpreendemo-nos, então, diante da sua existência. Miguel de Cervantes dizia que “a abundância de coisas, ainda que sejam boas, faz com que não as estimemos”. É como a criança que, habituada a receber muitos presentes, já fica insensível perante as novas prendas que vai recebendo. E, então, entra-se numa espiral de consumismo doentio, em que cada vez o esforço tem de ser maior para conseguir deslumbrar a criança, com coisas mais sofisticadas e, claro, mais caras. O excesso de coisas dadas satura os sentidos e bloqueia o desejo e o estímulo individual. E, muitas vezes, a criança, perante aquilo que recebeu em abundância e já nada lhe diz, procura a diversão na transgressão das normas, para provocar a autoridade, quer seja em casa, quer seja na escola ou na sociedade.

Cada vez é mais precoce a idade em que as crianças se prestam a essas “aventuras” de transgressão. Assim surgem as provocações, as atitudes estranhas, os isolamentos e a procura de más companhias. As crianças procuram novas sensações porque o que é quotidiano e corriqueiro já não lhes interessa. 

Quando não se sabe dizer “não” aos caprichos dos filhos, a criança que se desejava “criança-troféu”, facilmente se transforma em “criança-tirana”. Segundo esses pais que preparam os filhos para “crianças-troféu”, julgam-nos tão perfeitos que já 

não é possível corrigi-los. Para que continuem a ser muito “fofos”, muito “queridos” e possam ser exibidos em público, os pais cedem a todas as suas veleidades, para não se tornarem “desagradáveis”. 

Aliás, crianças, a quem os pais nunca souberam dizer “não”, são crianças que, conhecendo bem as regras, sabem manipulá-las perfeitamente para conseguir o que pretendem. No seu interior vai germinando a semente do cinismo. Nestas situações, há que, enquanto é tempo, procurar recuperar a normalidade, deitando mão das estratégias mais adequadas. Entre outras variáveis, há que canalizar a criança de modo a despertar nela a curiosidade pelas vertentes do saber e da interiorização dos princípios éticos e cívicos básicos. Assim, deve cortar-se nas prendas de luxo, fomentando mais tempos de diálogo no seio familiar, criando e desenvolvendo momentos de carinho e de afeto, realizando passeios pela montanha ou pelo campo para observar e favorecer o gosto pela natureza e evitar os grandes ruídos negativos.

O respeito pela liberdade interior da criança convive bem com o cumprimento de regras e normas racionais ou verdadeiramente humanas. No uso equilibrado destas componentes do desenvolvimento da criança é que está o caminho ideal. Só quando a criança assumir as referidas regras e não tiver medo do esforço é que poderá ser verdadeiramente livre.


Autor: Artur Gonçalves Fernandes
DM

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15 junho 2017