twitter

A Rainha D. Amélia, uma peregrina de Fátima

A Rainha D. Amélia de Orleães, impregnada de uma corrente e fervorosa devoção mariana, que remonta aos primórdios da nacionalidade como se tem vindo a provar nestas crónicas, e após ter passado por tão pesados fardos, infortúnios impensáveis (marido, D. Carlos, e o seu filho mais velho, príncipe D. Luís Filipe, barbaramente assassinados e, pouco depois, a queda da Monarquia, sendo obrigada a partir para o exílio, juntamente com o seu filho, rei D. Manuel II), quis visitar Portugal, sendo recebida e acolhida, em maio de 1945, com muita ternura neste seu país. Há longo tempo esquecida por muitos, mas sempre com os portugueses no coração, pois, antes de dar o último suspiro, pediu:« levem-me para Portugal, adormeço em França, mas é em Portugal que quero dormir para sempre.»

Durante o peregrinar da última Rainha de Portugal, nesta sua tão amada terra lusitana, foi ajoelhar-se, meditando, “ungindo de lágrimas e preces a sepultura do marido e dos filhos no Panteão de S. Vicente de Fora. Visitou tantas obras sociais saídas do seu amável coração; visitou lugares reveladores da santidade dos seus antecessores (Jerónimos, Mafra, Alcobaça, Batalha…); visitou aldeias, falando com as suas gentes que a recebiam com muita ternura e muito respeito, mas visitar o local escolhido por Nossa Senhora como centro da Sua devoção era, para si, um privilégio como revelou no momento em que visitava o Mosteiro dos Jerónimos, ajoelhando-se diante da imagem da Virgem Santíssima e, erguendo-se revelou o seguinte voto: «Se eu pudesse, ia a Fátima ajoelhar diante de Nossa Senhora de Portugal. »

A Virgem Santíssima, com certeza, já esperava o último vulto magnânimo da Monarquia em Portugal desde que elegeu a Cova da Iria como altar de Portugal e do mundo e, em 8 de junho de 1945, D. Amélia, com 79 anos, assistia, na Capela das Aparições, a uma Eucaristia celebrada pelo Bispo de Leiria, depositando, tenho a certeza, na Rainha do Céu todas as suas preces e todo o seu amor.

António Enes nomeado Comissário Régio de Moçambique, na dedicatória do seu livro sobre as companhas de África, em 1895, à Rainha D. Amélia, lembrando o momento difícil da sua nomeação em que os revoltosos, tendo como chefe o desastroso Gungunhana, estavam espalhados por quase todo o território, revelou o seguinte: «Também me recordo, Senhora, de que nesse mesmo lance, a 8 de dezembro, dignou-se Vossa Majestade de dizer-me, textualmente, com estremecimentos de comoção na voz, que estimava bem que partíssemos naquele dia consagrado à Padroeira do Reino, porque a virgem nos protegia.»

António Enes refletiu nessas palavras ao pensar nas grandes lutas que travaram, como a de Marracuene a 2 de fevereiro, dia dedicado a Nossa Senhora, sendo, ainda, a 15 de agosto, que ele pensou enfrentar Gungunhana com a batalha em Magul (distrito de Bilene, província de Gaza) em que 275 soldados cristãos contra 6.000 revoltosos conseguiram vencer. Outras se seguiram, tendo o Capitão Mouzinho de Albuquerque, sob as ordens de António Enes, capturado Gungunhana, guardado por 3.000 soldados, com 3 oficiais e 47 soldados.

António Enes diz que a extraordinária campanha de 1895 em África com reduzidos recursos e um número de soldados diminuto em relação às forças indígenas, foi Providencial, sendo a última “gesta heroica” da Monarquia registada com milagres de Nossa Senhora “para se harmonizar, em acordo perfeito, com toda a história e tradição portuguesa,” recordando as palavras, acima referidas, dirigidas a ele pela Rainha D. Amélia: « Não parece, Senhora, que a Rainha do Céu quis mostrar que atendera o voto fervoroso da Rainha de Portugal, como ela tanto merece por ter posto a sua dupla realeza ao serviço da desgraça e da miséria?»

D. Amélia conjuga o passado e o presente de um peregrinar mariano que se iniciou em Guimarães, no século XII, com as Rainhas D. Teresa e D. Mafalda, passando por D. João IV que ofertou a coroa de ouro dos reis de Portugal à Padroeira, vindo, por fim, esta ditosa mulher, quase no final da sua vida, depor a coroa de espinhos aos pés da Virgem, mas impregnada de uma riqueza interior, representando uma dinastia inesquecível aos olhos dos crentes e dos patriotas, vindo a Portugal despedir-se em nome das suas e seus gloriosos antecessores, fazendo uma promessa à Mãe de Deus: « Ó Virgem de Fátima, Nossa Senhora de Portugal, que conquistastes imortal realeza proclamando-vos escrava do Senhor, será este o vosso reino enquanto for vosso o coração das mães. Por isso, Vós sereis sempre para os Portugueses a Rainha Santa Maria!

Principal fonte destas crónicas: “Fátima Altar do Mundo”, 3 volumes, sob a direção literária do Dr. João Ameal da Academia Portuguesa da História; direção artística de Luís Reis Santos, historiador de arte e diretor do Museu Machado de Castro, Coimbra; realização e propriedade de Augusto Dias Arnaut e Gabriel Ferreira Marques, editada pela Ocidental Editora, Porto, em 1953.


Autor: Salvador de Sousa
DM

DM

24 abril 2018