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A prova e o “escadote”

Mas quem sou eu para julgar todos quantos viram na prova do Rali de Portugal, disputada em pleno Centro Histórico, mais uma conquista desta edilidade para a “cidade dos Arcebispos”? E que direito me assistirá duvidar que Braga já está nos roteiros mundiais do desporto automóvel, a sua cultura, monumentalidade, gastronomia e o comércio local? Com efeito, o momento foi histórico e não mais se apagará da memória de todos os afetos aos bólides de carrocerias encharcadas de patrocinadores – cujos pilotos com capacetes “topo de gama” enfeitados, igualmente, com anúncios comerciais – lhes proporcionaram. 

Foi junto à igreja do Carmo, que a correria começou a todo o gás. E, prego a fundo, lá foram fazendo com que as derrapagens vestissem do negro da borracha queimada o piso impróprio para a modalidade. Aliás, carcomido pelo tempo em que já não vê alcatrão desde a era dos dinossauros, ou seja, em que o Eng.º Mesquita Machado era inquilino do edifício municipal. No entanto, o povo estava eufórico, pois nunca vira semelhante coisa no coração da sua cidade.

E enquanto uns se rendiam à espetacularidade do certame, perante os roncos, a fumarada e o CO2, outros manifestavam-se, em surdina, barafustando pelo encerramento das suas lojas, mas ordeiros e quietinhos. Indo, pela calada e sem fazerem grandes ondas – todos afoitos – apreciar as máquinas em movimento, levando cada um o seu “escadote”. São assim os lojistas bracarenses quando se indignam. Ou seja, logo que pressintam “festa” dançam ao som da música.

Fantástico! É a palavra mais apropriada para descrever o bonito e belo de se ver que foram as artérias pejadas de gente, bem como as bancadas repletas de VIPs e presidentes de junta das freguesias, convidados pelo edil, para além de toda a tralha de tendas, mecos, grades e pneus espalhados ao longo do trajeto rodoviário. Pelo que promover um evento de tal envergadura daqueles foi obra a que os bracarenses nunca haviam assistido.

A não ser as corridas pedestres ou de propulsão pedaleira. Mas aquilo sim, é que foi uma iniciativa de arrojo; uma decisão importante e profícua para a “Roma portuguesa”. Digna de ombrear com as de algumas figuras de vulto bracarenses. 

Ora, enquanto a moldura humana se concentrava à volta do circuito resolvi ir tomar um café. Entrei e instalei-me na mesa onde estava um casal amigo. Ao lado cinco cavalheiros, maduros, falavam sobre o acidente ocorrido em Viana. Um deles, com a imitação de um capacete de piloto, denunciava ser um apaixonado da modalidade. E enquanto conversavam sobre o trajeto que fizeram até Braga, uma dúvida surgiu: – mas que prédio era aquele que ostentava, em cima, uma enorme bola em ferro? – Pelo que entendi dar-lhes uma ajuda:

– Desculpem a intromissão nos vossos assuntos mas, como bracarense, sinto o dever de os esclarecer: trata-se da estação dos comboios. – pelo que lá me foram agradecendo o gesto. 

 – Mas, já agora, perdoem-me a indiscrição: de onde são os senhores?

Tendo, dois deles, logo respondido:

 – Nós, de Matosinhos e eles do Porto – para logo acrescentarem: – e andamos, em digressão pelo Norte, a acompanhar o rali.

– Mas e então, não vão assistir à prova? – indaguei, admirado, por os ver ali calmamente sentados.

– Sabe? É que somos a favor do rali puro e duro. Ou seja, contra que ele se faça no meio das cidades e porque nos esquecemos do “escadote”.   

– Pois bem, por cá, outro rali – com alguns despistes acerca dos gastos do evento – se irá processar, com a gincana a fazer-se à roda dos números. E as piruetas surgirão quando o “deve” e o “haver” saltarem para a “pista” das contas públicas.

 

Autor: Narciso Mendes
DM

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29 maio 2017