Para se obter a perspetiva adequada à compreensão da estrutura básica do modelo de processo subjacente ao atual Código do Processo Penal (CPP), das suas soluções e dos seus princípios fundamentais, convirá começar por uma referência prévia aos fins ou metas que, em última instância, é legítimo esperar de um inquérito judicial no quadro de um Estado de Direito Democrático.
De acordo com o princípio constitucional acima referido, a reforma processual penal, seguindo parâmetros do direito comparado, procurou, formalmente, a máxima celeridade na administração da justiça, apenas com um limite: o da sua compatibilidade com as garantias de defesa do arguido, garantias essas que foram efetivamente reforçadas nessa reforma.
Assim, a máxima celeridade na tramitação processual assenta, em primeiro lugar, na consideração de que os julgamentos realizados no mais curto prazo compatível com as garantias de defesa, é um direito fundamental dos cidadãos. Por outro lado, a máxima celeridade é também exigida por razões de prevenção geral, cujo efeito dissuasor é reconhecidamente maior do que o da severidade da pena tardiamente aplicada. Na prevenção especial, a celeridade serve para evitar uma estigmatização e adulteração irreversível da identidade do arguido.
O processo penal demasiado longo significa uma correspondente submissão do arguido, ficando mais tempo submetido a medidas de coação e poderá ficar socialmente prejudicado: empregos que se podem perder, permanente atentado à honra de alguém que se presume inocente, a saúde física e mental que poderá ser afetada, o stress, angústia, frustração. A celeridade processual justifica-se ainda por uma razão de credibilidade do sistema judiciário e tem como inimigos específicos a suspensão do processo e o desrespeito dos prazos processuais.
Os prazos de duração máxima do inquérito estão previstos no art.º 276 do CPP, discutindo-se na doutrina e na jurisprudência a questão de se tratar de prazos peremptórios (que não admitem prorrogação) ou meramente indicativos.
De acordo com o preâmbulo constante do CPP, tal como aprovado pelo Decreto-Lei n.º 78/87, de 14.02, “no estado atual do conhecimento, e tendo presente o lastro da experiência histórica, seria ocioso qualquer demonstração das antinomias que medeiam entre, por exemplo, a liberdade e a dignidade dos arguidos e a procura a todo o transe de uma verdade material ou entre o acréscimo de eficiência da justiça penal e o respeito das formas ou ritos processuais que se apresentam como baluartes dos direitos fundamentais”.
Devem, portanto, os tribunais encontrar o ponto de equilíbrio, ou seja, o prazo razoável, entre a procura da verdade material e o respeito pelos direitos de defesa dos arguidos.
Mas, ninguém compreenderia que os crimes mais graves e cada vez mais complexos, com cartas rogatórias (enviadas para o estrangeiro) para cumprir, ficassem por terminar devido à limitação de tempo, frustrando-se o objetivo geral de prevenção do crime. Na interpretação das normas legais, deve presumir-se que o legislador consagrou as soluções mais acertadas e soube exprimir o seu pensamento em termos adequados.
Como se referiu, a Constituição fala “em prazo razoável mediante processo equitativo”.
O que é a equidade?
É uma virtude especial, parte subjetiva da justiça, mediante a qual, consideradas as circunstâncias do caso, se deixa de observar a lei no seu teor literal, para salvaguarda da justiça e do bem comum. Assim, os dois conceitos constitucionais – prazo razoável e equidade – devem estar presentes numa boa interpretação das normas em causa.
Como representante do Estado e integrado no Poder Judicial, ao Ministério Público MP) cabe não só zelar pela manutenção dos valores existentes e aceites pela Constituição, como prosseguir um dos principais fins do Estado, ou seja, a segurança da sociedade, através da perseguição implacável ao crime organizado. Impedir o prolongamento dos prazos nos processos mais complexos e de criminalidade mais grave (v.g. o homicídio, tráfico de droga ou o terrorismo) seria fomentar a prática desses crimes e negar a própria justiça num dos pontos mais importantes que é a segurança e a paz social.
Autor: Narciso Machado