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À procura de silêncio

Façam barulho!”. É exactamente isso o que sobressai num cartaz que subsiste colado em vários sítios de Braga, anunciando uma iniciativa que se terá realizado numa discoteca de um concelho vizinho. “Em busca do silêncio”, dizia, no início do mês, um título do diário espanhol El País, anunciando o tema principal do suplemento Ideas. “Façam barulho!”, querem uns. “Em busca do silêncio” andam outros. Paul Goodman, um influente escritor e psicoterapeuta americano, chamava a atenção para a circunstância de nem todo o silêncio ser digno de apreço. Explicava ele que, “se existe o silêncio fecundo da consciência, daquele que escuta e compreende quem lhe fala, ou o da viva atenção, também existe um silêncio tolo e apático e outro cheio de censura e ressentimento, que vocifera sem palavras e não se atreve a abrir a boca”. Embora as apologias do silêncio e as imprecações contra o excesso de ruído sejam, de um modo geral, bem-vindas, a ressalva impõe-se. O retrato de um quotidiano ruidoso apresentado pelo jornal é tão banal que já ninguém nele sequer repara: “Existimos no meio do ruído. Acústico, visual, mental. Informação em excesso fervendo simultaneamente e chegando através de demasiados canais. Estamos permanentemente ocupados, sempre procurando algo para fazer. Com listas de coisas pendentes. Com a rádio ligada para preencher qualquer fragmento de silêncio. Com a música a tocar, a televisão ligada, mesmo que ninguém a esteja a ver; enredados no nosso telemóvel, um artefacto que oferece a incerta promessa de nos afastar do vazio. Tudo para não enfrentarmos a vertigem da ausência de som, a aversão que produz uma interrupção, por pequena que seja, desse zumbido constante que nos acompanha no dia-a-dia, o da vida moderna, o que existe e que, com entusiasmo e disposição irreflectida, alimentamos. Medo do silêncio.” Há, de facto, “medo do silêncio”. E, todavia, um dos títulos do suplemento dominical de ideiasreclamava: “Silêncio, por favor”,remetendo os leitores para diversos livros sobre o assunto.Alguns encontram-se editados em Portugal. É o caso de Silêncio na era do ruído, de Erling Kagge (Quetzal, 2017), A biografia do silêncio, de Pablo d’Ors (Paulinas, 2914), e Do silêncio, de David Le Breton(Instituto Piaget, 1998). As referências sinalizavam os pontos de vista dos autores sobre o silêncio e o ruído. Outras obras igualmente recomendáveis poderiam ter sido citadas, como, por exemplo, Silêncio. O poder dos introvertidos num mundo que não pára de falar, da ensaísta Susan Cain (Temas e Debates / Círculo de Leitores, 2012); A força do silêncio. Contra a ditadura do barulho, um diálogo entre o cardeal Robert Sarah e o jornalista Nicolas Diat, seguido de uma conversa de ambos com D. Dysmas de Lassus, prior geral da Ordem dos Cartuxos (Lucerna, 2017), ou Tempo de silêncio, de Patrick Leigh Fermor (Tinta da China, agora editado). Um dos autores que o jornal ouviu é Erling Kagge, um ex-advogado, agora editor, que descobriu o silêncio numa viagem à Antártida. Reparou eleque as suas três filhas, de 13, 16 e 19 anos, eram incapazes de suportar o silêncio. Os adolescentes não sabem o que é o silêncio, precisam de barulho constante ao seu redor, de distrações permanentes”, afirma Erling Kagge, considerandoque muitos problemas da sociedade têm origem no barulho. “Basta ver a indústria das aplicações: Snapchat, Instagram, Facebook, Twitter... Todo o ruído que originam só faz com que a vida das pessoas seja mais difícil. Elas “fazem com que as pessoas se sintam mais sós, mais inquietas, mais frustradas, que pensem que as suas vidas são tristes. E tudo issotem na baseessa necessidade de barulho”. Um poeta português, Helder Moura Pereira, há cerca de uma década, oferecia, em verso, no livroSegredos do reino animal(Assírio & Alvim, 2007), um eloquente exemplo dessa prevalência geral do ruído: “Isto realmente. Não encontro um sítio / para tomar café sem televisão, que saudades / desse tempo em que passava os olhos / pelo jornal e só se ouviam moscas / e vozes, peço por favor se podiam ao menos / baixar um pouco o som, bem, é como / se tivesse ofendido alguém, olham-me / de alto a baixo com desdém, como se / tivesse dito que não tinha dinheiro / para pagar. Volto para casa, faço café / em casa, qualquer dia não saio de casa.” Como se, aí permanecendo, fosse fácil escapar ao barulho.
Autor: Eduardo Jorge Madureira Lopes
DM

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29 abril 2018