No dia 15 de Abril, o papa Francisco visitou uma paróquia da periferia de Roma, denominada «Corviale», um dos grandes monstros arquitectónicos da cidade eterna, construído nos anos 80 do século XX. Ali vivia um homem que, apesar de ateu, fez baptizar os 4 filhos. Morreu cedo, deixando os filhos ainda muito pequenos.
Emanuel tem uma pergunta crucial que quer fazer ao papa, mas diante do microfone não consegue falar. Apenas chora convulsamente. O Papa pede que o aproximem dele, abraça-o com ternura e escuta a pergunta: «Papá era ateu. Mas fez-nos baptizar a nós, os quatro filhos. Era um bom e bravo homem. Está no Céu, o meu papá?»
O pequeno Emanuel é apenas uma criança que é assaltada pelas perguntas que nós adultos procuramos afogar nos oceanos das palavras. Ele quer saber se é possível que um Deus bom trate mal um pai bom. Mesmo sabendo que seu pai não acreditava que fosse possível a existência de um Deus que tinha permitido a existência de um bairro assim.
Francisco não filosofa, não diz que o inferno não existe, mas diz que é Deus quem decide quem entra no Céu. E serve-se da lição do Evangelho que afirma que uma árvore se conhece pelos seus frutos; a oração não é uma soma de palavras, mas uma vida que se oferece a Deus para dar um testemunho visível da bondade de um Deus paterno, como o fez aquele menino testemunhando que seu pai era um bom e bravo homem.
Sinal de que aquele homem tinha dado um belíssimo testemunho aos seus filhos. E «se foi capaz de fazer filhos assim, era na verdade um bravo homem», reafirma o Papa.
Só Deus decide quem vai para o céu, mas Ele não decide por capricho, nem por uma misericórdia mal entendida. O seu julgamento é um julgamento de pai que se fundamenta sobre os frutos do amor:
«Não era crente, mas fez baptizar os filhos; tinha um bom coração. Como é o coração de Deus diante de um pai assim», pergunta o Papa? Como é que um Deus que tem um coração de pai pode julgar um bom pai? Diante de um pai não crente, que foi capaz de baptizar os filhos e lhes deu testemunho daquela bravura e bondade, pensais que Deus será capaz de deixar aquele pai longe de Si? Pensais isso de verdade?» pergunta o papa às pessoas que estão à sua frente, pessoas que representam o povo fiel de Deus. «Jesus não veio trazer a salvação num laboratório; não prega como se fala num laboratório, separado das pessoas. Ele está no meio das pessoas», tinha ele já dito em 8 de Fevereiro.
Para aquelas pessoas simples de um bairro degradado, mas gente/povo de Deus, Francisco apela ao critério objectivo de quem faz o bem: quem dá bons frutos é uma árvore boa; quem faz bons e bravos filhos só pode ser um bom e bravo pai. E um bom e bravo pai, segundo o sentir do povo santo e fiel de Deus, só pode estar entre os bons do Paraíso; entre aqueles que talvez nem saibam que, todas as vezes que fizeram algo de bom aos mais pequeninos, o fizeram a Jesus. E as crianças sabem, intuem que só pode ser assim.
Pouco tempo depois, o mesmo Emanuel, com uma voz cheia de ternura, pôde dizer: «estava quase seguro que meu pai tinha ido para o paraíso, mas quis ter a confirmação do Santo Padre».
Homem bom, melhor ainda que jogador de futebol, é Salah, o genial avançado do Liverpool, forte candidato à bota de ouro de 2018. A atitude que ele tem perante a vida e a situação dos outros, a começar pelos concidadãos egípcios sujeitos a enormes carências de toda a ordem comprova-o. Um dos gestos mais emblemáticos foi a construção de um hospital e de uma escola para raparigas, que assim já não terão que viajar de autocarro para fora da cidade para poderem ir às aulas.
Criou ainda uma fundação, através da qual procura ajudar os habitantes de Nagrig, sua aldeia natal. Foi assim que comprou a primeira ambulância que existe na região; criou uma rede de supermercados de baixo custo geridos pelo município, com os quais gasta mais de 4.500 euros mensais para garantir tal ajuda alimentar.
É por isso com orgulho e razão que os seus conterrâneos lhe chamam «fazedor de felicidade». Ele utiliza o dinheiro que ganha para ajudar os mais desfavorecidos.
Foi aliás isso que ele sonhou: «vir a ser rico para ajudar as pessoas». Longe de esquecer as origens humildes e os muitos sacrifícios que a vida lhe exigiu, mostra alegria em poder ajudar os seus conterrâneos a terem as possibilidades que ele então não teve. Trocou a oferta de uma mansão luxuosa por medicamentos para os conterrâneos.
Tem garantida a mais importante bola de ouro: «fazedor de felicidade». Lindo desafio para todos nós! Bem mais importante que a bota de ouro.
Autor: Carlos Nuno Vaz
A pergunta de Emanuel: estará no céu, o meu papá? Era ateu, mas era um bom homem.
DM
28 abril 2018