Na obra de ficção “1984”, o escritor inglês George Orwell (1903-1950) procura mostrar as “perversões” a que regimes centralizados como o comunismo ou o fascismo estão sujeitos. Descreve um super‑Estado dirigido por um regime totalitário chamado de “socialismo inglês”, no qual a vigilância governamental é omnipresente (“Big Brother”), o revisionismo histórico e a destruição de documentos que contrariam a versão oficial dos factos é sistemático e indispensável à sobrevivência do regime, as liberdades individuais e a liberdade de expressão são suprimidas, consideradas “crime de pensamento” e fortemente perseguidas pela “polícia do pensamento”.
Um dos seus mais importantes instrumentos de manipulação consistiu na criação da “novilíngua”, um idioma fictício que, através de alterações do significado de certas palavras, da sua substituição por outras ou ainda pela proibição do seu uso, reduz a capacidade de as pessoas poderem pensar e comunicar. A dita “novilíngua” chegou aos nossos dias sob a forma de discurso “politicamente correcto”, que foi sendo adoptado devido a uma aparente preocupação com a defesa e promoção da igualdade de direitos entre mulheres e homens, a que vieram a chamar de “igualdade de género”.
A palavra “género” entrou no quotidiano e na linguagem política e na legislação nacional para designar e substituir a palavra “sexo”, o sexo biológico de uma pessoa. Poderá parecer que tal terá acontecido por se tratar de uma palavra mais polida ou refinada, uma vez que a palavra sexo pode mais facilmente ser associada a relação ou acto sexual. Mas não!
Na verdade, a palavra “género” foi introduzida no vocabulário político internacional, em 1995, na IV Conferência Mundial sobre a Mulher, organizada pela ONU, em Pequim, por intelectuais feministas (marxistas e trotsquistas, liberais quanto à moral e liberdade sexuais), com o objectivo de desconstruir a família natural – a constituída por homem e mulher, que permite gerar a vida –, entendida por estas feministas como a fonte de opressão na sociedade e a pedra base do capitalismo.
A chamada “ideologia de género” tem vindo a impor-se de forma furtiva nas nossas vidas, através dos sistemas educativo e de saúde, dos meios culturais e políticos, com forte apoio e divulgação através dos meios de comunicação social.
Mas o que tem isto a ver com a língua portuguesa?
Vem isto a propósito da publicação do “Regime Jurídico da Avaliação de Impacto de Género de Actos Normativos” (Lei n.º 4/2018, de 9 de Fevereiro), projecto da iniciativa do PS, que contou com a aprovação do BE, CDS-PP, PEV, PAN e com a abstenção do PSD e do PCP, e que entrará em vigor no próximo dia 1 de Abril.
Prevê que os projectos de lei, decretos-lei, regulamentos, etc. elaborados pela administração central, regional e local e propostas de lei à Assembleia da República, sejam sujeitos a “avaliação prévia de impacto de género”. O objectivo será a “diminuição dos estereótipos de género que levam à manutenção de papéis sociais tradicionais negativos” e “assegurar a utilização de linguagem não discriminatória (…) através da neutralização ou minimização da especificação do género, através do emprego de formas inclusivas ou neutras, designadamente através do recurso a genéricos verdadeiros ou à utilização de pronomes invariáveis.”.
Significa isto que o Estado se prepara para combater o que identifica como “papéis sociais tradicionais negativos”, com o mesmo critério que levou em 2017 a Comissão para a Igualdade de Género a “recomendar” a retirada do mercado de blocos de actividades distintos adaptados ao gosto estético comum de meninas e meninos dos 4 aos 6 anos.
O Estado passará, portanto, a limitar e a regular o uso da língua portuguesa, proibindo o uso de certas palavras e abrindo caminho à punição para quem não o cumpra.
Assim, depois da mutilação da língua portuguesa que resultou do Acordo Ortográfico de 1990, teremos agora sucessivas amputações, retirando aos que escrevem e falam português a possibilidade de se exprimirem livremente, uma vez que a “polícia do pensamento” estará vigilante.
Exagero?
Pois bem. Importa ter presente que estas medidas estão a ser implementadas noutros países, em estado mais avançado.
Em 2015, em França foi publicado um guia que propõe a eliminação da expressão “mademoiselle”, que significa jovem senhora, a ordenação por ordem alfabética de termos masculinos ou femininos idênticos, como seja “senhoras e senhores” ou “igualdade homem-mulher”, e sugere a substituição no nome da “Declaração Universal dos Direitos do Homem e do Cidadão” (1789) por “Declaração Universal dos Direitos Humanos e dos Cidadãos e das Cidadãs”. Em 2016, a Associação Médica Britânica publicou um guia que recomenda a substituição da expressão “mulher grávida” por “pessoa grávida”, para não ferir a susceptibilidade de “homens transgénero”. Em Julho de 2017, o Metro de Londres anunciou a substituição da saudação “damas e cavalheiros” por “olá a todos”, para ser mais inclusivo. No Canadá, foi aprovado neste mês a alteração da versão inglesa do hino nacional, pasme-se (!), em nome da igualdade de género.
Assim, depois de ter sido mutilada pelo Acordo Ortográfico de 1990, a língua portuguesa será agora amputada na sua riqueza vocabular e linguística, em nome de uma suposta igualdade de género, passando a ser um português mais neutro. A “novilíngua” portuguesa?
O autor escreve em português correcto, não reconhecendo o AO 1990.
* Engenheiro e gestor
Membro da TEM/CDS - Tendência Esperança em Movimento
Autor: Mário Cunha Reis
A “novilíngua” portuguesa?
DM
25 fevereiro 2018