A alimentação, o exercício físico, a regularidade de vigiar a saúde fizeram desta geração a mais velha de sempre. A velhice já não tem idade. Mas olha-se para estes idosos não como macróbios mas como pessoas que ainda têm à sua frente vida saudável para viver. A medicina investigativa procura vacinas para quase tudo, tanto na prevenção ou na erradicação de doenças, não há fronteiras. A sociedade envelhece mas resiste à caduquice. Claro que este muito-viver traz aos Estados problemas económicos com que não contavam e com que não estavam habituados a lidar e, pior, ainda não sabem como resolver. Era mais fácil, há décadas: descontava-se para ser aposentado aos setenta anos e morria-se aos sessenta.
Os que viviam para lá dos 70, poucos anos gozavam a aposentadoria. Daí a sustentabilidade garantida. Mas hoje a realidade é outra o que quer dizer que a economia do Estado tem que ser outra. Os descontos de uma vida não dão para tanta vida. Os descontos dos trabalhadores no ativo não chegam para pagar as reformas dos velhos. Para equilibrar este balanço só colocando do lado do passivo os dinheiros provenientes do Orçamento do Estado. Este, por sua vez, tem que compensar esta despesa. Compensar significa cortar aqui para acrescentar acolá.
É a chamada lei das compensações orçamentais. Dizem que há para aí tantos gastos de dinheiros públicos sem justificação que apetece juntar estas águas vadias. Assim, há que acabar com serviços e institutos públicos que são deficitários crónicos, fundações que não fazem nada e que acumulam benefícios e alcavalas que não se justificam, existe duplicação de serviços para aguentar dirigentes, deputados sentados que só servem para fazer quórum, enfim, aquele velho rosário que está gasto de tanto por ele se rezar mas sem poder de conversão para modificar. Nisto seremos sempre de esquerda quando se convencionou chamar de esquerda a todos aqueles que não concordam com estes desperdícios de dinheiros públicos.
Não há direito de termos quem rebente de fartura enquanto outros rebentam de fome. A longevidade traz outros problemas de ordem individual que transcendem, a meu ver, os da ordem económica: o de estarmos a lidar com pessoas que sentem por dentro, no silêncio da alma, o eco vazio da inutilidade. Dar umas muletas a quem tem ainda pernas para correr é o mesmo que meter na gaiola a águia afeita a voar nos cimos. Por feliz e infeliz acaso alguns destes longevos tiveram a sorte de ter uma utilidade: amparar os filhos desempregados ou ajudar a pagar os estudos aos netos. É da infelicidade destes que nasce toda a utilidade dos velhos.
A felicidade é a medida do possível e, se passa pela infelicidade de não ver os seus arrumados, fica-lhe a compensação de ver que ainda servem para alguma coisa. Quantas vezes nos risos dos netos não vão eles colher conforto nos suspiros dos filhos?! Olhar para dentro e ver lá a inutilidade é ter em si um buraco negro. Estar sozinho não é só a ausência de outrem é também não servir para nada.
Autor: Paulo Fafe