A elaboração de uma nova Lei de Bases da Saúde tem sido motivo de longas discussões envolvendo os diversos partidos, sobretudo entre os que apoiam a atual solução governativa. Nos últimos dias, pudemos mesmo constatar uma quase rotura entre o Bloco de Esquerda e o Governo, com aquele partido a acusar António Costa de faltar a compromissos assumidos ao incluir na versão do executivo, a ser discutida no plenário da Assembleia da República, a possibilidade de manter as parcerias público-privadas (PPP).
A clivagem fundamental entre as propostas dos partidos da esquerda e da direita, genericamente, assenta na relação entre o setor público, o social e o privado. Enquanto a solução alvitrada pelo governo admite a celebração de contratos entre o Serviço Nacional de Saúde (SNS) e entidades externas, desde que seja reconhecida essa carência, os partidos mais à esquerda, PCP e BE, limitam o recurso a entidades fora do SNS a situações extraordinárias. Por sua vez, quer o PSD quer o CDS-PP admitem essa possibilidade sempre que as circunstâncias o exijam.
Sendo amplamente reconhecida a necessidade de rever uma lei que vigora há 28 anos e de a adaptar ao tempo presente, não será certamente a sua atualização que, por si só, irá melhorar o desempenho do SNS, tornando-o mais sustentável e mais humanizado.
Se é habitualmente admitido que o SNS, em paralelo com a liberdade e a democracia, foi a maior conquista trazida pela revolução de 25 de abril de 1974, também não é menos verdade que desde os anos da troika o seu desempenho se tem vindo a degradar, principalmente, por desinvestimento em instalações e equipamentos. Em muitos casos, quer a imprescindível manutenção de instalações, quer a renovação de equipamentos em fim de vida continua a ser um problema adiado.
A estas dificuldades que se vão arrastando e que nem contribuem para o melhor desempenho, nem para o conforto e humanização dos cuidados prestados, acresce uma insatisfação generalizada dos diversos profissionais por, não raras vezes, terem de trabalhar em condições penosas e até arriscadas e de verem adiadas promessas de valorização nas respetivas carreiras.
No atual contexto em que se encontra, mais do que alterar a legislação é imperioso injetar recursos financeiros no SNS e devolver-lhe a capacidade de se autossustentar. É urgente acabar com o seu subfinanciamento crónico para que continue a figurar entre os melhores serviços de saúde do mundo e, assim, possa prosseguir a sua missão de prestar cuidados de saúde de qualidade a todos os residentes em Portugal.
Independentemente de qualquer ideologia, acredito que qualquer português bem informado deseja manter o SNS na esfera pública, não se importando que ou o setor social ou o privado assuma um carácter supletivo ou complementar. Por muitas e distintas razões. Desde logo, por que perante uma situação patológica grave (por exemplo, doença degenerativa ou neoplásica) dificilmente há quem tenha meios ou seguro capaz de cobrir os custos do tratamento e, ainda, por ser em regra nos hospitais públicos que se encontra o know-how capaz de acudir com sucesso a essas enfermidades.
Se este é motivo suficiente para preservar substancialmente o SNS na esfera pública, mantendo-o universal e tendencialmente gratuito, que dizer do seu papel na formação e desenvolvimento de todos os diferentes profissionais? Não é verdade que são maioritariamente as instituições públicas (hospitais e centros de saúde) as grandes responsáveis pela formação de médicos, enfermeiros e outros técnicos de saúde?
Não sendo frontalmente contra a gestão privada de hospitais e outras instituições de saúde, acredito preferencialmente na gestão pública. Apenas em circunstâncias muito particulares, como foi o caso do Hospital de Braga, aceito essa concessão. Por certo, se não fosse uma PPP a construir este hospital, ainda não teria saído do papel.
No entanto, mantenho a minha preferência pela gestão pública desde que para as administrações se escolham sempre os mais aptos, os mais competentes e, preferencialmente, conhecedores das instituições que vão servir.
Muito mais do que legislar, urge despolitizar a administração pública nas diferentes áreas, privilegiando a competência e o mérito.
Autor: J. M. Oliveira
A Lei de Bases da Saúde e o SNS
DM
30 abril 2019