Pode ou não gostar-se de Cavaco Silva – nem Jesus Cristo agradou a todos – mas ninguém pode acusá-lo de falta de coerência, verticalidade, de não expressar o que pensa e de não ter uma influência em Portugal intocável nos dias de hoje.
A título de exemplo basta recordar a última polémica pública: o facto de ter assistido – com muita honra como foi referido mais tarde – ao discurso de posse do atual Presidente da República, sem ter ido à cerimónia dos cumprimentos, originou os mais disparatados comentários dos do costume mas, em reverso, Jorge Sampaio ou Ramalho Eanes, foram publicamente ignorados, ninguém os viu, ninguém falou deles, foi como se não existissem.
Como quase sempre aconteceu durante os últimos 40 anos, há uma diferença abismal entre a opinião publicada e a opinião pública sobre Cavaco Silva, tendo o povo português, sempre que chamado a pronunciar-se, ter-lhe dado as maiores votações de sempre, desprezando o que muitos escrevem ou dizem.
Até para não haver dúvidas, quando Mário Soares resolveu confrontar Cavaco Silva, viu-se o resultado que o marcante socialista conseguiu.
Aliás é inegável que há um Portugal antes de Cavaco Silva e um outro Portugal depois, mais europeísta, democrático, igualitários e na senda do desenvolvimento europeu.
Cavaco Silva tem uma extensa obra sobre a sua atividade governativa e como Presidente da República, incontestável, muito importante para o Portugal de hoje, onde nunca nenhum facto foi desmentido por ninguém.
Todos os sociais democratas e socialistas moderados – excluindo destes últimos os socialistas defensores da geringonça – bem como os liberais, democratas cristãos, ou até qualquer cidadão com sentido democrático que se interesse pela política, deveria ler o seu último livro “Uma Experiência de Social Democracia Moderna”.
Nesse livro Cavaco Silva, não dando a mínima importância à divisão artificial entre esquerda e direita, apenas valorizada partidos extremistas e mais ideológicos, como diz, carateriza a social democracia nos dias de hoje, como reformista, evolutiva, gradualista, adaptada aos tempos, sem dogmas e determinismos, “preservando os valores fundamentais da liberdade, da democracia, da justiça social e da pessoa humana”, inovando para “dar resposta aos problemas dos novos tempos e procurar para cada país as soluções que melhor sirvam a sociedade”.
Esta social democracia rejeita qualquer socialismo de Estado ou qualquer socialismo coletivista que desde a geringonça cada vez mais influência as decisões governativas com grande prejuízo para os portugueses.
Este livro revela também a ligação de toda a sua atividade governativa ao pensamento político de Sá Carneiro, com quem adquiriu experiência governativa como Ministro das Finanças e do Plano, tendo sido, lembro-me eu, considerado o melhor ministro desse governo pela generalidade da imprensa à época.
Refere também os princípios basilares da política social democrata dos seus governos como, entre outras, a independência da comunicação social, a concertação social, da defesa do ambiente, a igualdade de oportunidades, a economia de mercado, a iniciativa privada, a solidariedade e justiça social.
Na sua última intervenção pública Cavaco Silva, foi igual a si próprio, verdadeiro, direto ao assunto, com uma lúcida visão política, onde se percebe o erro estratégico que o PSD tem feito nos últimos anos quando não se opõe fortemente à atividade governativa do PS e da geringonça, sem se preocupar com outros partidos à esquerda ou à direita.
É curioso que as virgens ofendidas que se indignaram quando Cavaco Silva chamou a atenção sobre a mordaça na democracia portuguesa nunca referiram os factos apontados por Cavaco Silva, tendo ocorrido um silêncio ensurdecedor quando a democracia portuguesa desceu de democracia plena para uma democracia com falhas como foi apontado por um reputado estudo internacional.
Aliás, com Sócrates foi exatamente a mesma coisa: no inicio muita gente negava as evidências que os mais lúcidos apontavam e depois seguiu-se um dos períodos mais negros de Portugal democrático.
Além de todas estas e outras razões, a nossa diminuição de desenvolvimento e a ultrapassagem de Portugal por países há pouco tempo mais atrasados, exige este tipo de estratégia política de corte radical do PSD com este governo, tal como é defendido por Cavaco Silva.
Cavaco Silva deu o exemplo – antes de conseguir as maiores votações em Portugal – quando em 1985 entrou determinado na sede do PS e acabou com o acordo do Bloco Centro, dizendo mais ou menos isto: “eu posso lá estar ligado à letra de um acordo quando vejo Portugal e o seu povo cada vez a sofrer mais”.
Cavaco Silva é uma das personalidades mais relevantes e influentes do Portugal democrático e a sua intervenção terá sempre um forte impacto na nossa sociedade.
Autor: Joaquim Barbosa