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A idade das negações

Em Portugal, tal como no resto do mundo, o número de idosos e a longevidade têm vindo a registar aumentos progressivos. De facto, em 2016, existiam 2.158.732 pessoas com 65 ou mais anos de idade, representando 20.9% da população, traduzindo-se num índice de envelhecimento de 148.7%, mudando, assim, o paradigma sociodemográfico das comunidades que, portanto, têm necessidades urgentes de se reorganizarem de forma a proporcionarem os melhores serviços e cuidados aos seus cidadãos.

Por isso, surgiu o conceito de “envelhecimento ativo” que, segundo a Organização Mundial de Saúde, é o processo de otimização de oportunidades de saúde, participação e segurança, a fim de melhorar a qualidade de vida à medida que as pessoas envelhecem, cujo principal objetivo é manter a sua autonomia e independência.(1)

Contudo, os problemas surgem quando há perda parcial ou total da sua independência, podendo alcançar a perda da autonomia do idoso. Perante esta realidade, aparecem as questões no seio familiar que, com o quotidiano laboral e, por vezes, desinteresse emocional, se deparam com a falta do “tempo precioso” para prestar apoio aos seus familiares idosos.

No consultório, são constantes as preocupações das famílias que sentem, de forma especial, esta problemática: quando os idosos adoecem, quantos de nós, profissionais de saúde, não ouvimos a sugestão de “… é melhor ficar internado…”.

De facto, se perante um idoso com independência parcial as comunidades não têm recursos suficientes de apoio, embora se verifique um acréscimo de prestadores de serviço nesta área, quanto mais quando este está debilitado?!

A saga do abandono de idosos nos hospitais não é recente e, infelizmente, deverá perdurar. Sendo assim, quando surge uma família que expressa o desejo de cuidar dos seus familiares idosos em casa em vez de os colocar em instituições ou à guarda de cuidadores formais, porque não lhes dar incentivos para que o concretizem? Ou será que é melhor dá-los a outrem? Ou abandoná-los nos serviços de saúde?

Será que se as famílias tivessem apoios para poderem ficar com os seus familiares idosos nos seus domicílios não o fariam? Por isso, pergunto-me porque é que não são dados incentivos às famílias que expressem esse desejo?

Se não vejamos, se são dados apoios para que os nossos idosos sejam integrados numa família de acolhimento ou IPSS, então por que não os darem à própria família?

Porque não é criada a redução de horário para quem desejasse ser cuidador informal? Não seriam, assim, criadas políticas sociais de apoio aos idosos que, muitas vezes, preferiam ficar junto dos seus familiares em vez de serem integrados em instituições?

Por outro lado, ao criar este tipo de incentivos, poder-se-á fomentar a vertente economicista das relações familiares; contudo, quero acreditar que muitas famílias o tornariam possível perante isto por terem condições, finalmente, e não por interesse financeiro.

Ser idoso é ver negado, muitas vezes, a sua independência e autonomia. Como o médico e fisiologista italiano, Paolo Mantegazza, afirmava, “A infância é a idade das interrogações, a juventude a das afirmações, a velhice a das negações”. Assim, não estará na hora de conceder aos nossos Idosos o direito de escolher o seu Lar?

(1) Active Ageing A Policy Framework, Organização Mundial de Saúde, Madrid, 2002.


Autor: Sofia Melo
DM

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13 abril 2018