Um dos predicados da minha geração foi ter sido educado na base de que o saber e a experiência eram características dos mais velhos que tinham de ser respeitados e fazer parte da aculturação económica, social e política. Aprendemos a ouvi-los, através das suas histórias, observamos e assimilamos as múltiplas facetas enquanto conhecedores e conhecedoras das coisas da vida e necessariamente aprendemos a gostar deles com o afeto umbilical devido a pais e avós.
As últimas décadas permitiram que se assistisse a uma apagão em crescendo da nossa memória coletiva, não só porque a sociedade deu mote ao isolamento e ao desprezo, preferindo a novidade egocêntrica, como também pelo “piedoso” acto de contrição que remeteu os mais velhos para uma espécie de manta de retalhos, elaborada a partir das necessidades dos mais novos. E agora, quando os ventos amainavam e calcorreavam as margens da esperança para que se erguessem políticas avançadas de inclusão, de dignidade e temperança, são novamente os mais velhos a serem chamados à dolorosa experiência que os remete para a estatística dos falecidos a uma velocidade estonteante que parece ter deixado para trás a infindável procura de uma vida mais longa e com melhor qualidade. Mais uma vez, os mais velhos estão na linha da frente nesta como em muitas outras guerras que tiveram de combater. Cai sobre eles o peso de uma herança que se apresta a ficar vazia e uma memória que a poucos servirá, quando todos devíamos beber dela o mais tempo possível. Cabe a cada um de nós, infindavelmente, dar suporte a tudo quanto for possível fazer para substituir o egoísmo pela destreza de carácter, invertendo qualquer margem que atenue ou procure atenuar a culpa. Sim, a culpa pelo abandono, pela destemperança permanente, pela perceção enviesada das prioridades que nos ligam moralmente. Assistir ao descalabro geracional a que nos propomos quotidianamente, não foi nem é solução. Pelo contrário, valorizar, cuidar e aprender deve ser um esforço permanente para que todos e todas tenham a oportunidade de sair dos cuidados intensivos a que os remetemos numa espécie de caixa de Pandora, cerceativa dos seus direitos e da sua condição de homens e mulheres, não de outro tempo mas deste tempo, o mesmo que tanto valorizamos enquanto consumidores atabalhoados da vida. Os pais e avós são o nosso pêndulo, os condutores da nossa sonoridade, a plêiade do nosso futuro. Não é lícito que façamos de conta que nos esforçamos para inverter a curva sinistra que se abate sobre eles. Essa condição da inevitabilidade não é aceitável.
Do mesmo modo a que nos habituamos no quotidiano a olhar para a frente sem beber do passado que tanta falta faz a todos, é claro que o que fizermos hoje determinará a nossa condição humana amanhã.
Por isso, senhor General Eanes, a sua condição e a sua predisposição para a fatalidade não é aceitável, nem o sacrifício da sua geração pode ser transformado num retrato dos compêndios da história, simplesmente porque não é aceitável que os mais novos desistam de si. A sua disponibilidade eleva a moral do comportamento, é sábia e toca na maior ferida aberta pela minha geração e infecionada pelos mais novos que eu. Ambos temos um preço a pagar permanentemente e por muito que hoje, nos falte a capacidade para esboçar uma palavra de agradecimento, preservar a sua memória e o seu legado, não podem ser adversários da vida, mas tão só uma condição humana que nos deve mobilizar em tempos de incerteza e de Medo.
Não podemos nem devemos olhar para a Herança e Memória – palavras fortes a que nos habituamos a ver e a assimilar como se de um produto de consumo se tratasse – como meros substantivos da cadeia geracional. Elas foram e são o pão que alimenta a condição do ser humano. Desistir dos mais velhos é desistir do Tempo e sem ele não somos nada.
Autor: Paulo Sousa