O mundo está confrontado com uma grande pandemia sanitária, vinda do leste asiático, que se estendeu rapidamente através do globo, com uma incidência endémica progressiva e vertiginosa.
Há situações imprevisíveis dentro de uma globalização a partir do século XV, em que o fator comercial desenvolvido através de diversas vias de circulação, originou profundas modificações nas comunidades intercontinentais, onde a natureza e o ambiente estavam e estão fortemente sujeitos a fenómenos transmissores de origem diversa, com incidências interétnica ou comunitária.
Por sua vez a industrialização e a comercialização transcontinental, promovidas através de povos, trouxeram fortes impactos ao ambiente, à biodiversidade e à transumância das populações ao longo de séculos.
Foram todas estas situações migratórias e sócio-económicas que contribuíram para trocar experiências em diversas áreas, salientando-se a científica, dentro das novas tecnologias da formação e transmissão de conhecimento, assim como na interculturalidade.
A criação de riqueza em países com maneiras e formas de vivência diferentes, com investimentos direcionados a nível mundial em diversas áreas, ligadas à natureza, ao comércio, à indústria, à saúde e no campo científico, provocou profundas e diversas incidências cognitivas na evolução do ser humano e das suas atividades interdisciplinares.
Por sua vez a natureza sofreu e foi afetada por profundas transformações causadas pelo ser humano, donde ter resultado fenómenos epidémicos que passaram a ser transmitidos a nível mundial.
Mas são estas situações de crise, de diversa natureza, para desenvolvimento, criação de riqueza e contactos intercomunitários, que têm, por vezes, provocado pandemias bélicas, crises financeiras e sanitárias que, através dos tempos, marcaram várias gerações.
Portugal e o mundo atravessam uma grave crise sanitária, cuja evolução pode não ser previsível, pois o inimigo está oculto e não visível, donde serem necessárias medidas imediatas e urgentes, com planeamento e estruturação a nível nacional, com o apoio de todas as entidades oficiais, privadas e de terceiro setor, assim como do tecido empresarial.
As consequências económico-financeiras e de sustentabilidade do setor produtivo público e privado e do social, são uma incógnita, pois dependem de diversos fatores e, principalmente, da duração desta “guerra” pandémica, que pode lançar o país na falência de pequenas, médias e grandes empresas e do terceiro setor, provocando uma elevada taxa de desemprego.
É nestas alturas, e desde que não haja ditaduras ideológicas, que se deve evidenciar a verdadeira democracia em liberdade, mas sujeita a contingências diversas, a ser respeitadas por todos, independentemente da sua ideologia política. Há que liderar e trabalhar em sintonia para vencer os obstáculos, por mais complexos que sejam, disponibilizando os meios necessários e tomando as decisões mais adequadas pois, se assim não for, as consequências pós pandemia e para as futuras gerações poderão ser muito gravosas. O país poderá demorar anos a recuperar a sua estabilidade económico-financeira, pois a dívida pública vai aumentar, assim como o défice e o PIB podem atingir valores entre 3 e 5,7, depois de uma estabilização, conseguida, em parte, devido ao fraco investimento público, bem patente no SNS, nas infraestruturas ferroviárias, na manutenção das redes rodoviárias e em diversas áreas fundamentais para o país, assim como o aumento substancial de impostos, cuja carga fiscal em 2019 foi de 34,8%, o valor mais alto de sempre, chegando a considerar-se como receita pensões em dívida ou remissões.
Está ainda bem presente a crise financeira de 2008 da dívida soberana que originou a intervenção da Troika, provocando sérios problemas às empresas, ao setor social, às famílias e aos cidadãos, em que foi necessário tomar medidas gravosas e de grande coragem política entre 2008-2012, que contribuíram para a melhoria da reversão económico-financeira a partir de 2015, e que permitiram partir para a estabilização financeira em 2019, com um saldo orçamental positivo de 0,2% do PIB, à custa do desinvestimento público, dos elevados impostos e tendência para destruir a classe média, podendo originar ainda maiores desigualdades. Chegou-se a querer tornar tudo público, afirmando determinado arco partidário que os privados e o setor social nada têm feito nesta guerra pandémica sanitária.
O terceiro setor – Misericórdias, IPSS, Mutualistas, etc. – foi fortemente afetado, principalmente no interior e nas instituições que não têm possibilidades de criar receitas para equilibrar a sua sustentabilidade para apoiar os mais carenciados e desprotegidos. Foram esquecidas nos fundos comunitários para requalificar ou construir novos equipamentos, para as adaptar à modernidade e melhor funcionalidade na proteção sanitária e de vivência comunitária.
Descurou-se a implementação da Rede de Cuidados Continuados Integrados (RNCCI), lançada em 2006, com a promessa de 13 000 camas e em 2016, em Fundão, no Congresso das Misericórdias, o Primeiro-Ministro prometeu o lançamento de mais 8 000 camas. Em janeiro de 2020 existem 9.033 camas, sendo 166 de paliativos.
Daqui advêm as consequências atuais e futuras para o terceiro setor, como se está a verificar na atual pandemia sanitária, pois sempre trabalhamos em complementaridade com o Estado, embora as contribuições nos Protocolos de Cooperação tenham sido sempre muito insuficientes para se cumprir verdadeiramente a Missão de “servir e não servir-se”, com humanismo, amor ao próximo e sentido solidário, em voluntariado e trabalhando em rede e parceria com o setor público. Se o terceiro setor se tivesse desenvolvido como devia, o país estaria melhor preparado para enfrentar esta “guerra” sanitária.
No momento presente é devida uma palavra de gratidão aos heróis da área da saúde e do setor social, pelo trabalho que estão a exercer com dedicação até à exaustão e com riscos imprevistos, colocando em causa a sua vida e das suas famílias.
Talvez esta “guerra” pandémica, diferente das outras bélicas e das sanitárias ocorridas, possa ser um alerta para reviver a fé, meditar sobre o retorno às famílias estruturadas, que são a base de uma sociedade harmoniosa e justa, permitindo corrigir desigualdades e reconstruir uma sociedade mais equilibrada, em que não impere o liberalismo ou neoliberalismo.
Com persistência, otimismo e esperança, sendo esta última palavra tão cara ao Papa Francisco, e em união e parceria vamos vencer esta crise pandémica, reconstruindo e pensando num novo modelo de sociedade, pois assim o exige Portugal e a União Europeia, se quiser fazer frente à crise económico-financeira que vai surgir a nível mundial.
Autor: Bernardo Reis
A globalização, as crises e a pandemia
DM
31 março 2020