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À facada

Parece-me voltar aos tempos em que a vida humana tinha pouco ou nenhum valor. Assim era nos tempos remotos do sacrifício humano para aplacar a ira dos deuses, das ordálias, das retaliações, do olho por olho, dente por dente. E assim foi até ao aparecimento da religião de Cristo, que trouxe ao mundo  o conceito de que a vida humana pertence a quem a criou: a Deus, no caso dos católicos. Estudos antropológicos assim o  provam e contra isto já não existe qualquer controvérsia. O corpo humano foi, desde aí, considerado sagrado; depois as leis dos homens assim o determinaram: matar é crime. Socialmente a morte de alguém é horrível.

Mas presentemente o respeito pelo corpo humano tem vindo a ser desprezado. O fanatismo que é uma doença religiosa e o relativismo que é uma doença social, estarão na primeira linha deste laicismo; o fanatismo e a sua intolerância religiosa leva (e já levou) ao assassínio de terceiros e o relativismo em egocentrismo moral, leva a supor que o bem e o mal são uma questão do entendimento individual.

Onde está o homem nestes dois pressupostos? Que é feito dele que o não vejo? O fanatismo mata-o com toda a ligeireza, o relativismo mata-o com indiferença. Escondem-no estes dois males atrás de objetivos que nada tem a ver com o ser humano. Matar alguém era um repúdio social, dos mais abjetos. A religião, a lei e a sociedade continuam a repudia-lo, cada um à sua medida e intervenção, mas algo está a falhar.

Então como se explica este recrudescimento de mortes violentas? São pessoas sem aquela base religiosa que enforme um conceito de respeito absoluto pela vida. Aqui não restam dúvidas. Suponho que os valores religiosos e sociais de dantes não estão a chegar, ou então estão a perder a batalha. O relativismo adormeceu a consciência individual. A casa de pais escola de filhos, deixou de formar consciências.

As sociedades relativistas coisificaram o Homem. O homem coisa é o homem objeto que se pode descartar quando não tiver interesse. Não sei se podemos projetar este presente no futuro dos nossos filhos e netos; sinto que a sociedade jovem está positivista, isto é, só acredita naquilo que pode ser provado; alicerçando aí os seus arbítrios todo o resto é fantasia; não escuta os valores do pai ou da mãe, por obsoletos; olha para o outro como aquele que lhe pode tirar o emprego; amanhã é uma metafísica que se perde em cálculos de probabilidades; daí pensarem que não vale a pena criar raízes de família.

Como vivem em constante competição, pensam que os mais fortes eliminarão os mais fracos. Voltam a pensar como Plauto: o homem é o lobo do homem. O racionalismo desta sobrevivência não lhes deixa espaço, nem ânimo, nem lugar para uma ação introspetiva de valores religiosos ou morais. O outro será uma coisa que vale enquanto tiver préstimo. “Primo vivere” nem que para isso seja necessário matá-los à facada,  a não ser que uma “nova evangelização” lhes diga que viver é  matar o lobo que mata o homem.


Autor: Paulo Fafe
DM

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3 abril 2017