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Numa ditadura, sabemos que não há liberdade. Será que, em democracia, nos sentiremos sempre livres? Entre a dor da ausência e a amargura de uma desilusão, que espaço sobra para a humana realização?
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É indiscutível que, como assinalou Ruy Barbosa, «a pior democracia é melhor que a melhor ditadura». É por isso que – já dizia Winston Churchill – a democracia é o pior regime… à excepção de todos os outros.
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Uma democracia com falhas é preferível a uma suposta ditadura sem erros. Mas o reconhecimento da congénita falência das ditaduras não impede que nos vejamos incomodados com as gritantes fragilidades das democracias.
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Há situações em que as diferenças são mínimas. É que também as democracias parecem afectadas por pulsões autocráticas e contaminadas por comportamentos ditatoriais. Acresce que a contaminação ditatorial das democracias não se limita à organização política. Toda a sociedade surge assustadoramente contagiada por sintomas de intransigência, rigidez e indiferença.
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O excesso de autonomia só reconhece uma liberdade: a liberdade de cada um. O que mais nos sobressalta, hoje, já não é a ditadura de um partido ou de um grupo. O que mais nos atormenta é a crescente «tirania do eu».
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Nos tempos que correm, a mais pesada autocracia é a «egocracia». Obscurecidos os ideais e esgotadas as ideologias, resta a afirmação do «eu»: sobre os outros e – o que é mais grave – contra os outros.
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Enquanto o egoísmo é cada um viver em função de si mesmo, a «egocracia» é pretender que os outros vivam em função de nós próprios. A «revolução individualista» entra, assim, numa segunda – e mais perigosa – fase. O problema já não é cada um estar voltado para si, mas exigir que os outros se submetam a si.
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Não é verdade que os direitos dos mais influentes, dos mais poderosos e dos mais ricos redundam em perda de direitos dos mais frágeis, dos mais desprotegidos e dos mais pobres? Enfim, temos dificuldade em coexistir. Já só saberemos colidir?
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A contestação do poder nem sempre resulta em libertação do poder. E, em vez de uma só ditadura, corremos o risco de estar submetidos a muitas ditaduras: às «ditaduras» de muitos «eus».
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Sem a intervenção correctiva da lei e sem uma acção moderadora da autoridade, a humanidade pode converter-se na maior ameaça para si mesma. Não nos deixemos sufocar pela «egocracia». Que o amor «desegoízador» nos faça compreender que só de mãos dadas tem sentido viver!
Autor: Pe. João António Pinheiro Teixeira