É claro que dentro daquela caixa de papelão apenas tinha dois pincéis (um mais fino e outro mais espesso); um transferidor; um esquadro e uma pequena régua; uma caixa com cinco guaches (já minúsculos, com os quais o professor me ensinava a misturar as cores para fazer as que pretendia) e dois godés; a ponta de um lápis de pau (enfiada na tampa da caneta, com a finalidade de o gastar até ao fim); uma mini borracha e uma ferrugenta aguçadeira (que o professor me dizia como usá-la para o crayon não partir); um tubo de tinta-da-china e um compasso com tira linhas. Peças guardadas de um tempo de pouca abastança, no qual economizar era uma virtude.
Contudo, mesmo com aquele material – já na altura considerado velhinho – alguns dos meus trabalhos faziam parte, juntamente com os de outros colegas, dos escolhidos para a exposição no átrio da escola. E fossem eles a guaches ou a tinta nanquim, a obra nascia facilmente das minhas mãos. O que não quer dizer que fosse um bom aluno, apenas me servia de alguma minha veia para as artes, uma vez que descendo de uma família de artistas da nossa urbe bracarense. Enquanto os dos demais, com tudo a estrear e de preço superior, saiam impróprios para serem expostos na vitrina.
Ora, nos dias de hoje as crianças vão para a escola com a mochila a abarrotar dos mais diversos artigos de consumo escolar. Muito do qual nem chega a ser utilizado, obrigando a que os pais despendam de verbas avultadas para darem satisfação às listas das diversas disciplinas que a escola fornece ao aluno, a fim de serem aviadas. Por vezes solicitando marcas caríssimas, de cujo alto custo não chegam a tirar proveito. Direi mesmo, com algum conhecimento de causa, que metade dos materiais – pedidos aos alunos – chegava perfeitamente.
Ou será que quando os professores pedem, por exemplo, 8 ou 10 esferográficas e outros tantos lápis de grafite; caixas com 24 ou 36 unidades de lápis de cores, cera, marcadores, plasticina, pastel de óleo, guaches, etc., das mais cotadas marcas estrangeiras, a performance dos alunos melhora? Isto, já para não falar em cadernos, em que no meu tempo eram de formato A5, com 50 folhas e 80 de gramagem, mas que de há uns anos para cá passaram a ser de formato A4 e A3, com 80 a 160 f e 100g, sendo um para cada disciplina. E quantas vezes, tudo deixado a meio, ou mais, no final do ano escolar. Estará provado que tanto desperdício beneficia a aprendizagem?
Portanto espera-se, para além da diminuição progressiva dos manuais escolares em papel, cujo diploma o senhor Presidente da República recentemente promulgou, venha a suceder o mesmo em relação às quantidades de artigos escolares exigidos. E que o Ministério da Educação, em sintonia com tão pertinente decisão, comece a “desmaterializar” certo conteúdo das autênticas mochilas de “chumbo” que muitas crianças carregam. A fim de que não ultrapassem os 10% do peso corporal de cada estudante, segundo recomendações das associações europeias e americanas que regulam esta matéria.
Tudo deverá ser repensado. Até a hipótese de, através da eliminação das gorduras e de despesas supérfluas, ser o próprio Estado a fornecer os materiais às respetivas escolas, tal como o faz com as refeições nas cantinas escolares, sob o pagamento de um valor simbólico, pelo menos no ensino obrigatório. É que se pensarmos nos 34,7% das contribuições e impostos dos portugueses para o PIB nacional, tal gesto seria, deveras, notável.
Autor: Narciso Mendes